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    Aumenta o uso de CACs por facções criminosas; revela levantamento do Instituto Sou da Paz

    26 de agosto de 2024 às 12:07

    Organização alerta que o risco de retrocesso na legislação de armas pode piorar o cenário

    Desde 2016,  Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs) vêm sendo utilizados para facilitar o acesso a armas e munições por organizações criminosas, com um crescimento expressivo nos casos registrados e noticiados pela imprensa especialmente em 2022 e 2023, revela levantamento do Instituto Sou da Paz. Esse aumento coincide com a flexibilização das regras de controle de armas promovida durante o governo Bolsonaro. O levantamento foi realizado a partir dos casos envolvem CACs, que foram tornados públicos pela autoridades e noticiados pelos principais veículos de imprensa.

    Dentre os casos mais graves está o do Victor Furtado Rebollal Lopes,vulgo Bala 40, e esposa. Eles usaram o registro de CAC para comprar todo o limite concedido pelo governo Bolsonaro. O casal adquiriu 26 fuzis T4 Taurus idênticos que seriam repassados para o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, além de 11 mil munições. Todos os itens controlados eram comprados e transportados legalmente com guias de trânsito do Exército. No mesmo ano de 2022, a operação Ludibrio da Polícia Federal prendeu um armeiro do PCC que conseguiu usar certidões falsas para se registrar como CAC, mesmo tendo 16 inquéritos ou processos judiciais, inclusive por homicídio. Ele tinha sete armas apostiladas em seu nome, incluindo um fuzil 556 mm e uma carabina 9mm.

    O caso mais recente foi divulgado hoje, dia 23 de agosto de 2024, e foi desbaratado por uma operação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Espírito Santo (FICCO/ES). O suspeito tinha registro de CAC no Rio de Janeiro e, segundo o Exército, adquiriu mais de 60 mil munições de diversos calibres para repassar para uma facção criminosa no Complexo da Penha no ES. “Esse caso, super recente, mostra que esse tipo de desvio é mais comum do que se imagina. Se houver um investimento pesado em investigação desse tipo, muito provavelmente muitos outros casos serão decobertos, avalia Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. 

    Confira abaixo o resultado do levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz.

    Evolução dos casos 

    Entre 2016 e 2018, foram registrados e veiculados apenas 6 casos de envolvimento de CACs com o crime organizado. Contudo, em 2022, esse número saltou para 11, e alcançou o recorde de 12 casos em 2023.

    Fonte: Casos veiculados pela imprensa

    Distribuição geográfica 

    Os casos estão disseminados por todas as regiões brasileiras, com 19 das 27 Unidades da Federação registrando ao menos um caso. São Paulo lidera com 9 casos, seguido do Espírito Santo com 7 casos e Rio Grande do Sul com 6 casos.

    Fonte: Casos veiculados pela imprensa

    Facções beneficiadas e diversificação das atividades ilícitas

    O levantamento identifica que CACs estão sendo utilizados para apoiar uma ampla variedade de atividades criminosas, incluindo tráfico de drogas; quadrilhas de roubo de valores e “novo cangaço”; milícias urbanas e rurais; grupos de extermínio; e grilagem de terras. Entre as facções criminosas beneficiadas, destacam-se o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), ambos com atuação internacional. Outros grupos como o Primeiro Comando Catarinense, Okaida (Paraiba), e Amigos do Estado (Goiás) também se beneficiaram deste desvio de armamentos.

    Impacto do afrouxamento feito por Bolsonaro

    A retirada de barreiras entre os CACs iniciantes e avançados e o aumento das cotas de compra de armas e munições facilitaram o desvio de armamentos para o crime organizado. Armas de grande interesse para o crime, como fuzis e pistolas 9mm, tornaram-se mais acessíveis. Nota técnica do Instituto Sou da Paz de outubro de 2022 já havia mostrado o crescimento expressivo de fuzis e pistolas 9 mm entre as apreensões de armas do crime. Em São Paulo, as 9mm eram 2.7% das apreensões em 2017 e saltaram para 7.6% em 2022. No Rio de Janeiro, no mesmo período, o salto foi de 19% para 28%.

    Risco de retrocesso 

    Em julho de 2023, o governo Lula editou um decreto para restringir o acesso a armas potentes e reduzir as cotas de compra. Contudo, o Projeto de Decreto Legislativo 206/2024, já aprovado na Câmara e prestes a ser votado no Senado em 27 de agosto, ameaça reabrir essas brechas ao reverter as medidas de controle. Entre as mais graves estão a facilitação de inclusão de armas mais novas em coleção; o uso de armas de coleção para outras atividades, permitindo que circulem entre local de guarda e locais de treinamento e caça; e a retirada de exigência de frequência mínima de clube de tiro e competição, facilitando que laranjas recrutados pelo crime já acessem o limite máximo de armas e munições e armas de calibre restrito.

    “O levantamento aponta uma situação gravíssima de uma nova fonte de migração de armas legais para o mercado criminal. O crime organizado é um dos principais problemas do país e que acabou sendo beneficiado por mais essa fonte acesso a armas”, afirma Carolina Ricardo. “O levantamento se baseou em casos públicos, a situação pode ser ainda mais alarmante se considerarmos as investigações em curso e casos em segredo de justiça. A gravidade do tema não se dá apenas pelo número de casos ou crescimento expressivo, mas especialmente pelo volume de armas e munições envolvidos nos esquemas, há casos com mais de 20 fuzis repassados, milhares de munições desviadas. Cabe ao Governo Federal e ao Senado trabalharem arduamente para evitar que a legislação sobre armas seja flexibilizada, facilitando ainda mais esse acesso pelo crime organizado”, reflete a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

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