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    Opinião | A Tribuna | O uso da força em São Paulo

    9 de outubro de 2023 às 04:00

    Artigo feito pelo Coordenador de Projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, (clique para acessar o texto original)

    São Paulo vivenciou uma inédita redução nas mortes cometidas por policiais: de 863 em 2019 para 425, em 2022, uma queda de 50% na letalidade policial. No mesmo intervalo, o total de policiais mortos saiu de 59 em 2018 para 33 em 2022. O que mudou na atuação das polícias, sobretudo da Militar, foi a adoção em 2020 de uma série de mecanismos de controle do uso da força, dos quais as câmeras corporais fazem parte, mas como este artigo aponta, são instrumentos que dependem de outras
    iniciativas para serem eficazes na melhoria da relação entre policiais e o restante da sociedade.

    Além das câmeras corporais do Programa Olho Vivo, também foram implementadas ações como a aquisição de armas menos letais, criação de estruturas robustas para a supervisão e avaliação dos procedimentos adotados e fortalecimento da rede de apoio psicológico a estes servidores.

    Destacamos a criação das comissões de mitigação, que analisam informações para checar se os procedimentos operacionais foram seguidos, inclusive com imagens das câmeras corporais. Mesmo em casos em que uma ocorrência não resulta em morte, uma amostra aleatória dos vídeos das câmeras de uma unidade é analisada por superiores, que podem recomendar elogios, orientações ou medidas disciplinares. Essa estrutura torna o processo de implantação das câmeras efetivo, já que há consequências ao policial a partir das imagens de sua atuação.

    Mas, se as câmeras corporais continuam em uso pela PM, o que explica o aumento da letalidade policial em 2023, e o crescimento de 60% das mortes cometidas por policiais em serviço na Capital? Assim como uma decisão política em 2020, que resultou na implementação de uma agenda prioritária da redução da letalidade policial foi essencial para o sucesso das medidas de controle do uso da força pela PM, o que temos visto nos primeiros meses da gestão Tarcísio de Freitas é uma mudança da agenda política em relação à segurança pública, guinada que se tornou ainda mais evidente após a primeira fase da Operação Escudo, na Baixada Santista, com suas 28 vítimas fatais e denúncias de torturas e violações.

    Ainda que as câmeras tenham sido mantidas, desde o início da atual gestão, o governador, o secretário de Segurança Pública e o comandante-geral da PM têm dado declarações minimizando as mortes cometidas por policiais. Estas declarações enviam uma mensagem para a tropa que a supervisão e responsabili-zação por abusos no uso da força não terão a mesma prioridade de outrora.
    Ao analisar os números da letalidade policial este ano, percebe-se que a atual gestão está desmontando o Olho Vivo, ainda que sem remover as câmeras dos uniformes dos policiais. A política de controle do uso da força pela PM tem sido fragilizada em troca do confronto. A Operação Escudo — com alta letalidade, baixa transparência e sem resultados efetivos na diminuição da presença do crime organizado na região — simboliza ao máximo esta estratégia.


    É importante lembrar que tecnologia não é uma panaceia, como mostra uma recente publicação do Instituto Sou da Paz, que lista recomendações e pontos sensíveis no uso da tecnologia a partir da perspectiva do coronel da PM que gerenciou a implantação do Olho Vivo, mas que se bem implementada pode trazer resultados positivos e impactantes na segurança pública. É essencial que esta política pública de controle do uso da força exitosa, que resultou na grande redução tanto da letalidade policial, como das mortes de policiais, seja retomada. E isso só será possível, no atual contexto, por meio de uma demanda por transparência e participação da sociedade civil, e sobretudo, de órgãos responsáveis pela investigação e processamento das mortes envolvendo policiais: o Ministério Público, a Polícia Civil, a Defensoria Pública e o Judiciário.

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