Mulheres negras foram 70,5% das vítimas de agressão com armas em 2019, resultando em uma taxa de mortalidade duas vezes maior do que a de não negras, segundo dados do Datasus
A arma de fogo tem sido o principal instrumento empregado nos assassinatos de mulheres no Brasil, ao longo de vinte anos esteve presente em 51% dessas mortes. É o que revela o relatório “O papel da arma de fogo na violência contra a mulher”, produzido pelo Instituto Sou da Paz que analisa dados da violência armada no Brasil e se debruçou sobre dados da vitimização feminina do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Datasus, de 2012 a 2019.
A análise revela que as mulheres negras foram 70,5% das vítimas de agressão com arma de fogo em 2019, ou seja, uma taxa de mortalidade duas vezes maior do que a de não negras. Dentre o total de mortes por agressão (envolvendo todos os instrumentos), a arma foi o meio empregado em 52% dos casos contra mulheres negras e em 42% das agressões fatais contra não negras.
“A análise buscou responder como a arma de fogo tem vitimado mulheres no Brasil, quais suas idades e perfil racial, em que tipo de local essas violências acontecem e como tem se dado a evolução nos últimos anos”, explica Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Os dados ajudam a demonstrar que a presença da arma de fogo em casa é um fator de risco para as mulheres, tanto quando consideramos as violências físicas e letais quanto as violências psicológicas e sexuais”, comenta.
Em 2019, a proporção de mortes de mulheres por armas de fogo no Brasil foi de 49%. Regionalmente, a arma de fogo prevalece no Nordeste, onde respondeu por 61% dos casos em 2019, seguido pelas regiões Norte e Sul, com 48%. Sudeste e Centro-Oeste apresentaram as menores proporções, cerca de 10 pontos percentuais abaixo da média nacional.
Considerando todos os tipos de morte por agressão dentro de cada faixa etária, as mortes cometidas com uso de armas prevalecem em todas as faixas, à exceção das mulheres idosas, e sobressaem como meio empregado nas agressões contra adolescentes (15 a 19 anos) com 64% e adultas jovens com 59%.
Mortes em residências
Ao longo da série, observou-se que houve crescimento anual da quantidade de mortes por agressão armada contra a mulher até 2017, havendo uma queda na quantidade total de casos de 2018 a 2019. No entanto, destacamos que a participação da violência armada vitimando mulheres dentro de casa ganhou importância nos últimos anos, aumentando de 19% em 2014 para 26% em 2019. A residência é o local de morte por agressão com arma de fogo de apenas 11% dos homens, enquanto é o local da morte por agressão com arma de fogo de 1/4 das mulheres.
Violência psicológica e sexual com armas
Das notificações de violências não letais, em média 8 mil atendimentos envolveram emprego de arma de fogo por ano entre 2010 e 2019, dos quais mais de 90% ou cerca de 7,5 mil são casos de violência contra a pessoa cometida por um terceiro. Em 2019, 45% das vítimas foram mulheres e, dentre essas mulheres vítimas de violência armada atendidas, 48% eram adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos, seguidas pelas adultas de 30 a 39 anos (22%), e 61% negras.
Nesses casos de violências não letais que envolvem o emprego de arma de fogo, o relatório evidencia que, entre as mulheres, a arma de fogo esteve presente principalmente em violências físicas, mas também teve presença importante nos casos de violência psicológica/moral e sexual, enquanto a violência armada não-letal que atinge os homens está basicamente associada à agressão física.
Outro destaque é o aumento proporcional dos casos não letais armados dentro das residências, sinalizando fortemente para o risco que a arma de fogo representa no contexto de violência doméstica. Entre 2018 e 2019, a residência passou a responder pela maior proporção dos casos de violência armada não letal contra mulheres (40%), superando a via pública (35%). Assim, a residência foi o local onde proporcionalmente mais incidiram eventos de violência armada física não letal e de violência psicológica contra a mulher, tanto negra como não negra, ainda que de forma mais acentuada no caso das não negras.
“Os dados ajudam a demonstrar que a presença da arma de fogo em casa é um fator de risco para as mulheres, tanto quando consideramos as violências físicas e letais quanto as violências psicológicas e sexuais”, diz Carolina. “A mulher vítima de violência doméstica, em geral, se encontra imersa em diferentes tipos de vulnerabilidades, tais como física, econômica, emocional, entre outras, e a presença da arma dá ao agressor um poder ainda maior, na relação já tão desigual característica das situações de violência doméstica”, comenta.
Solução passa pelo controle de armas
Para superar esta realidade e evitar o aumento da violência contra mulheres, especialmente as mais vulneráveis como as mulheres negras e jovens, o Instituto recomenda fortalecer a política de controle responsável sobre as armas de fogo no país, considerando os riscos não apenas do porte de armas em locais públicos, mas também os riscos da posse de armas dentro de casa.
“Entre as flexibilizações em vigor, há questões que aumentam o risco para as mulheres, como o espaçamento da repetição de testes psicológicos e da verificação de não estar respondendo a processos criminais de 5 para 10 anos e o relaxamento das justificativas de necessidade”, diz Carolina.
Simultaneamente, uma medida importante para aumentar a proteção de mulheres é a aplicação da lei nº 13.880, de outubro de 2019, que alterou a Lei Maria da Penha, estabelecendo que a autoridade policial, no caso de violência doméstica, deverá verificar se o agressor possui posse ou porte de arma e em seguida notificar à autoridade que concedeu o porte ou a posse da arma a ocorrência da violência doméstica, para, então, determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.
“Especialmente num país em que um quarto das mulheres vítimas de violência armada passam pelo sistema de saúde, fica claro a importância da articulação de diversos serviços públicos para ajudá-las a romper com o ciclo de violência”, diz Carolina.
Acesse o relatório: https://bit.ly/armasmulheres
Informações para a imprensa:
Izabelle Mundim – izabelle@soudapaz.org