Sob Tarcísio de Freitas (Republicanos), mortes praticadas pelas polícias Civil e Militar de janeiro a maio subiram 8,6% em comparação com o ano passado; já os homicídios dolosos chegaram ao menor índice em maio nos últimos 10 anos
As polícias Civil e Militar do estado de São Paulo mataram 189 pessoas de janeiro a maio deste ano, o que representou um aumento de 8,6% em comparação com o mesmo período do ano passado. O índice de aumento se manteve o mesmo quando comparamos o intervalo de janeiro a abril.
Só em maio, a letalidade policial foi de 35 para 38 vítimas neste ano, o quarto aumento seguido sob o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). A única redução se deu em março de 2023, quanto o número foi de 48 para 42 pessoas mortas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP).
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, avalia que esse pode ser “um indicativo um pouco mais concreto de que talvez o controle do uso da força pela polícia não seja uma prioridade desse governo”.
Além disso, apesar de historicamente o número de mortes praticadas por policiais ser maior em serviço em relação às ocorrências durante as folgas, um ponto que chama a atenção é que houve um aumento mesmo após a implementação das câmeras nas fardas da PM, que tinha impactado de forma expressiva as mortes em serviço após 2021.
Em maio deste ano, dos 38 casos, apenas três mortes aconteceram na folga. Em maio de 2022, das 35 mortes, foram 18 casos em serviço e 17 na folga. Já em 2021, das 62, foram 51 vítimas de policiais em serviço e 11 na folga.
A pesquisadora sinaliza que uma política que priorize o controle do uso da força precisa ser incentivada e continuada. “É preciso que as mensagens que chegam para a tropa é de que o uso da força vai ser regulado, que as medidas sejam implementadas, então esse vai-e-vem das câmeras foi uma coisa ruim, é claro que a violência no nosso estado é alta, ela também vitima policiais, mas dependendo de como o governo se posiciona em relação a isso, claro que não se deve tolerar nenhuma violência a policiais, mas também legitimar a violência contra o suposto bandido também não é uma boa porque acarreta lá na ponta uma legitimação de ‘tudo bem matar a pessoa que matou o policial’ ou ‘tudo bem matar o cara que é bandido’”, critica.
Ela aponta que a valorização das polícias, como o aumento salarial prometido e sancionado por Tarcísio neste ano, é importante, mas não pode excluir ou menosprezar o controle do uso da força. “Isso tem que vir em conjunto porque é o caracteriza uma polícia profissional. A gente está num momento muito delicado, até de virada. A gente tem que ficar muito atento e entender qual é a proposta do governo do estado de São Paulo para manter estável, pelo menos não deixar subir, a letalidade policial”, afirma.
Por outro lado, o número de vítimas de homicídios dolosos foi o menor para o mês de maio há pelo menos 10 anos: foram 200 contabilizadas pela pasta, o que indica uma redução de 16,7% em relação ao mesmo mês em 2022, quando foram notificadas 240 vítimas. A queda foi puxada, principalmente, pela Grande São Paulo, que foi de 59 para 30 homicídios. A capital manteve o quadro (43 vítimas) e o interior também teve redução (de 138 para 127) em maio.
Para Carolina Ricardo, a queda dos homicídios é uma questão complexa, mas mantém uma confluência entre políticas públicas adotadas nos anos 2000, durante o governo Mario Covas, como a Ponte já mostrou em reportagem especial, e a atuação do crime organizado que contribuiu para essa tendência. “É uma decisão antiga, mas que teve impactos importantes ao estruturar uma política melhor de segurança baseada em dados e reforma das próprias polícias, um investimento em departamento especializado em chacinas, uma série de políticas municipais de segurança e uma sociedade civil muito mobilizada, então é um conjunto de ações que foram impactando na curva e na redução dos homicídios desde os anos 2000”, explica.
É nesse período que a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu no sistema prisional paulista, se fortalece. “Eles têm uma atuação que, em alguma medida, regula o território e têm uma incidência na redução dos homicídios”, aponta.
De lá pra cá, ela aponta que não houve “grandes ações” por partes dos governos nesse sentido. “A gente segue com a publicização dos dados, a política de segurança pública de São Paulo é muito baseada na atuação da PM, então é uma PM que tem seus problemas, mas que se profissionalizou bastante em relação às outras polícias do país, a Polícia Civil não é grande fator, infelizmente, porque é uma polícia mais sucateada, já que os esclarecimentos dos homicídios aqui não são tão altos, mas de qualquer forma tem um DHPP [Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa] que a duras penas se mantém e consegue, em alguma medida, dar algumas respostas a crimes importantes e tirar alguns criminosos de circulação”, exemplifica.
E a gestão atual, destaca Ricardo, também não buscou a redução desse índice como uma prioridade nesses seis meses de governo. “É uma gestão que tem privilegiado muito o enfrentamento aos crimes contra o patrimônio, na região central [da capital], com a diminuição de roubos. Essa tem sido a agenda forte do governo”, afirma.
Um mecanismo recomendado por especialistas para indicar excessos na letalidade policial é a comparação do número de mortos pela polícia com o total de homicídios dolosos. Estudos do sociólogo Ignacio Cano indicam que o ideal é a proporção de no máximo 10% de mortes pelas polícias em relação ao total de homicídios, enquanto o pesquisador Paul Chevigny sugere que índices maiores de 7% seriam considerados abusivos.
De janeiro a maio de 2023, a porcentagem ficou em 13,8%. Já no mesmo período do ano passado, estava em 12,5%.
Outra variável para verificar se as mortes pelas polícias são consideradas abusivas ou não é a comparação com a vitimização policial, ou seja, as mortes de policiais. Até o momento, contudo, as Corregedorias da PM e da Polícia Civil não divulgaram os dados detalhados de maio.
O que diz o governo
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública a respeito dos indicadores. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:
A SSP esclarece que de acordo com critérios técnicos e internacionais, não devem ser “juntadas” ou “equiparadas” as MDIPs em serviço com as ocorrências envolvendo policiais de folga tendo em vista que são dinâmicas completamente diferentes. Em serviço estão atuando para proteger a população, já em folga a maior parte dos casos o policial é surpreendido, pelos criminosos, em seu momento de lazer.
Bimestralmente uma comissão da letalidade se reúne para avaliar os dados, dentre os integrantes representantes da SSP, Ministério Público, Defensoria Pública, Instituto Sou da Paz, Núcleo de estudos da violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Todos os casos são investigados, pelas polícias, encaminhados ao Ministério Público e julgados pela Justiça. Em ambas as situações os policiais são apoiados e passam pelo Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PAAPM). Nos casos necessários e há ainda uma análise da comissão de mitigação de riscos, programa institucional voltado à identificação de não conformidades técnico-operacionais.
Nos primeiros cinco meses as forças policiais prenderam 79.846 criminosos sendo que 189 foram mortos em confrontos durante estas prisões. Tais dados indicam que o uso da força letal foi necessário uma vez em cada 422 prisões ou apreensões de infratores demonstrando que a principal causa da morte não é a atuação polícia, mas sim a opção do confronto realizada pelo infrator.