Artigo escrito pela diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, e pela psicóloga e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Danielle Tsuchida, publicado pela CNN (clique para acessar o texto original)
A morte violenta da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, por um aluno de 13 anos, na cidade de São Paulo, foi mais um episódio trágico que afetou toda a comunidade escolar, além de alunos e professores que se envolveram diretamente com o ato, incluindo as professoras que conseguiram interromper o agressor. Estes casos de ataques violentos em escolas têm ocorrido com mais frequência e ocupado cada vez mais espaço no debate público, fazendo com que muita gente reflita sobre o que precisa ser feito para que eles não se repitam mais.
Mesmo conhecendo os sentimentos que esta violência causou, para além do punitivismo como uma resposta simples, é importante compreender que o adolescente também sairá impactado e demandará um esforço da família, da sociedade e do estado com seus cuidados psicossociais, de saúde e proteção à vida. Será fundamental compreender as motivações e seguir com um olhar atento aos sinais anunciados no convívio cotidiano, inclusive nas duas escolas que frequentou. Mais do que vê-lo com um caso isolado, para prevenir novos casos é preciso ir fundo nas raízes do problema que tem provocado esse tipo de comportamento entre crianças e jovens.
Segundo um levantamento da Unicamp, nos últimos oito meses ocorreram nove episódios violentos em escolas, sendo que nos últimos 20 anos houve 22 ataques, o que denota um crescimento bastante considerável. Para muitos especialistas, os últimos anos têm sido marcados por disputas de narrativas importantes. Por um lado, a garantia de direitos humanos como princípio base de nossa constituição e democracia e, de outro lado, vozes que vociferam discursos de ódio, racistas e machistas, que embora não justifique, ajudam a explicar o aumento dos episódios de violência vivenciados no espaço escolar que desafiam nossa sociedade neste período pós pandemia.
É consenso que a escola é um espaço de aprendizagem, mas também de convívio social, portanto, ela é permeada pelos mesmos dilemas e conflitos vivenciados na sociedade. As propostas simplistas que surgem no calor de casos graves e tristes, como redução da maioridade penal, aumento do tempo de internação e até a recente proposta do governador de colocar policiais nas unidades escolares não vão dar conta de resolver esse problema complexo. Vale dizer que a polícia é muito eficaz na ronda escolar, no entorno da escola, mas não deve ficar permanentemente do muro pra dentro, muito menos ser a responsável por dirimir os conflitos cotidianos vividos pela comunidade escolar. Como já vimos, o modelo punitivista em nosso país não é eficiente, por isso precisamos de sensibilidade, diálogo e ousadia, experimentar métodos, novas tecnologias, reunir parcerias e esforços das várias áreas de conhecimento para lidar com esses conflitos de forma restaurativa, fazendo o sujeito entender a consequência de sua ação na sua vida, na do outro e na comunidade ao redor.
Duas questões postas nessa realidade crescente de ataques às escolas são o bullying e a subcultura de ódio que incentiva à violência, criada nos ambientes digitais. Essa subcultura, aliada à mudança na sociabilização de crianças e jovens, muito mais mediada pelo mundo digital, coloca um novo desafio para família, escola e estado: como supervisionar e apoiar esse uso da internet de forma a torná-lo mais saudável e minimizar o risco de envolvimento nessa cultura violenta. Não é tarefa fácil, mas é urgente que esse tema seja tratado também por políticas públicas, assim como devem ser reguladas essas plataformas digitais onde crianças e jovens se encontram, conversam, idolatram discursos extremistas e planejam possíveis ataques.
É ainda essencial, na prática cotidiana, uma escola que atue a partir da comunicação não violenta, com relações construídas na base da cooperação e empatia, com respeito às diferenças. A capacidade da escola lidar com questões de saúde mental é urgente também. Para que isto aconteça, a presença do estado é fundamental para investir na qualidade das nossas escolas com prioridade do ponto de vista estrutural e, especialmente, profissional, com formação, remuneração justa e contratação de mais profissionais. É necessário que este trabalho se dê em rede, mobilizando as áreas da saúde e assistência social, por exemplo.
Precisamos investir na formação dos indivíduos e nas relações em construção, nos espaços de convivência com muito afeto, responsabilização, educação para paz e por um olhar atento para que tantas outras Elisabeths vivam e apareçam nos meios de comunicação pela arte de transformar o mundo pela educação.