Segundo relatório realizado pela ONU – Organização das Nações Unidas, o Brasil é o segundo país da América Latina com o maior número de casos de balas perdidas e o terceiro em quantidade de mortes decorrentes delas (atrás apenas de Colômbia e Venezuela, o primeiro país em número de mortos).
A análise realizada pelo Centro Regional das Nações Unidas para a Paz, Desarmamento e Desenvolvimento na América Latina e Caribe (Unrilec, sigla em inglês) sobre violência armada e causa das balas perdidas na América Latina e Caribe constatou que entre 2009 e 2013, período do estudo, foram 22 mortes e 53 feridos no Brasil. O país só perde para a Venezuela, que registrou 74 feridos e 67 mortes.
A Unrilec mapeou 550 casos de violência armada causada por balas perdidas (que resultaram em 617 vítimas) que tiveram divulgação nos meios de comunicação de 27 países da América Latina e Caribe.
No Brasil, o maior número de casos tem como origem algum tipo de intervenção policial, como perseguição a supostos criminosos (27% das ocorrências). Em segundo lugar, estão os tiroteios entre gangues ou quadrilhas, com 24%; em terceiro lugar aparecem os disparos efetuados durante assaltos (20%). Um outro dado chama a atenção: 10% dos casos são devidos a conflitos interpessoais em que as testemunhas acabam alvejadas. No entanto, em 40% dos casos não foi possível determinar a causa dos disparos. “Este são números preocupantes. Chama a atenção no Brasil o índice de casos por conflito interpessoal, que é essa arma na mão de cidadãos que acabam tendo algum conflito e atingem terceiros, e o número de casos em que se tem uma operação policial em andamento”, analisa Bruno Langeani, coordenador de sistema de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz.
Para Langeani, é preciso que o Brasil avance nos protocolos para intervenções policiais, assim como intensifique o desarmamento. Entre os 27 países, o Brasil e a Colômbia são os que têm o maior número de casos de balas perdidas em conflitos interpessoais, sete ocorrências.
“A violência dos conflitos interpessoais se resolve com o desarmamento, com campanhas de entrega voluntária de armas. O problema é que, nos últimos anos, o governo afrouxou a campanha de desarmamento. Desde 2012, não faz nem propaganda pelo desarmamento. Nos primeiros anos da lei, foram apreendidas 500 mil armas, e, nos últimos sete anos, esse número caiu para cem mil”, comenta o coordenador do Instituto.
Quanto à violência das ocorrências policiais, a recomendação do Instituto Sou da Paz é a melhora dos protocolos e do treinamento das polícias.
“Tem de ter melhores protocolos de treinamento e intervenção. Em muitos dos casos, a melhor doutrina policial diz que às vezes você vai perder uma prisão, mas vai preservar uma comunidade. Você chama reforço, faz um cerco, mas não pode sair disparando”, afirma Langeani.
O Sou da Paz, que analisou o estudo da ONU, também lançou um levantamento próprio sobre as armas apreendidas em São Paulo, que mostra como armas antigas e de baixo calibre são as mais utilizadas em homicídios e causam os maiores danos nos casos de testemunhas atingidas.
De 14.488 armas analisadas, 1,2 mil estavam ligadas a homicídios. A maioria, 97%, eram armas curtas e 34% eram de calibre 38. Esse armamento é majoritariamente nacional, sendo que 77,8% eram da marca Taurus. E o que mais se destacou no levantamento, segundo Bruno Langeani, foi a idade das armas: 88% dos revólveres usados nesses crimes foram fabricados antes de 2003, ano em que foi promulgado o Estatuto do Desarmamento.
Para o Instituto Sou da Paz, isso mostra que o desarmamento funcionou inibindo a proliferação dos armamentos mais modernos.
“Por que um criminoso teria uma arma dos anos 70, se pudesse encontrar uma pistola Glock de última geração? É sinal de que ele não encontra essas armas novas”, finaliza Langeani.