Iniciativa Agenda Juvenil coletou propostas de adolescentes periféricos e da autarquia de São Paulo para encaminhá-las à administração estadual
Reportagem publicada pelo Nexo, (clique para acessar o texto original), sobre a Agenda Juvenil de Prevenção á Violência Letal contra a juventude negra, feito pelo Sou da Paz ( Clique para acessar a Agenda )
A Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), órgão ligado ao governo do estado de São Paulo responsável por executar medidas socioeducativas a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, está junto do projeto Agenda Juvenil, da ONG Instituto Sou da Paz para conscientizar a sociedade e os gestores públicos sobre a prevenção à violência letal contra a juventude negra e apresentar propostas para a melhoria da vida dos jovens.
A iniciativa, que o Nexo anuncia com exclusividade, teve seu lançamento oficial nesta sexta-feira (16). Ela consiste em uma agenda de proposições aos gestores públicos feita pelos internos da fundação e por jovens dos bairros paulistas Brasilândia e São Mateus, além de uma música composta por eles.
Neste texto, o Nexo apresenta a iniciativa e o que os jovens da Fundação Casa têm a dizer para o governo.
A Fundação Casa
No Brasil, jovens com menos de 18 anos não podem ser julgados como adultos e enviados para presídios comuns. Os juízes podem encaminhá-los para internação ou escolher medidas mais brandas, como uma simples advertência ou a semiliberdade, em que o jovem apenas passa o período noturno em instituições como a Fundação Casa.
Os juízes não prescrevem um período para internação, que pode durar no máximo três anos, e depende do cumprimento de determinadas medidas, como tirar boas notas ou finalizar uma série de ensino. Algumas delas podem ser estipuladas pelo juiz, mas em geral são decididas pela família do jovem em conjunto com especialistas das entidades socioeducativas.
De acordo com os dados da Assessoria de Inteligência Organizacional da Instituição enviados ao Nexo, em 15 de setembro de 2022 há 4.877 jovens em atendimento em 116 centros socioeducativos localizados em 46 cidades do estado de São Paulo. No total, são oferecidas 6.350 vagas – a lotação atual corresponde a 77% da capacidade.
44,8%
dos jovens na Fundação Casa respondem por tráfico de drogas
33,7%
dos jovens respondem por roubo qualificado
57,1%
dos jovens da Fundação Casa são pardos
14,9%
dos jovens da Fundação Casa são negros
O projeto
Diante de um cenário no qual a maioria dos jovens da Fundação Casa estão lá por delitos simples e são pardos, negros e pobres, o projeto em parceria com o Instituto Sou da Paz quer promover uma conscientização sobre violência letal contra a juventude negra, promovida especialmente por operações da Polícia Militar.
Somente em São Paulo, no ano de 2021, foram 543 mortes provocadas por policiais militares, segundo o Sou da Paz. Foi o menor número desde 2013. Entre as razões para a queda estão a instalação de câmeras na farda dos oficiais e outras medidas, como o treinamento da comunicação dos policiais e uso de outras forças nas abordagens.
Para colocar os jovens na conversa, foram realizadas rodas de debates, atividades paradidáticas e a composição de uma música feita por eles que aborda a realidade de quem vive a violência diariamente.
“É um projeto super importante, já que os jovens negros de regiões periféricas são os mais afetados pela violência letal. Refletir com quem é mais afetado por isso é essencial”, disse ao Nexo Daniele Tsuchida, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.
Agenda propositiva
Os jovens envolvidos no projeto se reuniram para elaborar uma agenda propositiva aos gestores públicos, com ideias que “versam sobre melhorias e investimentos em direitos fundamentais como formas de prevenção de violências e também em ações diretamente vinculadas à política de segurança pública”.
A agenda foi dividida em seis eixos e será apresentada a representantes do Poder Público. O Nexo apresenta os principais pontos de cada eixo abaixo:
Educação
A agenda produzida pelos internos da Fundação Casa pede que os gestores públicos tragam para o ambiente escolar “conteúdos que estejam relacionados às histórias dos estudantes [como racismo e os riscos e consequências do envolvimento com a criminalidade]”. Há também um pedido para melhorias na infraestrutura das escolas como forma de tentar diminuir a evasão escolar, que teve uma taxa nacional de 5,6% no ano de 2021.
Trabalho
A agenda também pede a implementação de políticas públicas que tragam mais oportunidades de emprego formal para a juventude. Eles dizem o seguinte: “Investir em políticas públicas de qualificação profissional para a juventude periférica, oportunizar iniciativas de acesso a postos formais de trabalho e, também, programas e iniciativas de empreendedorismo”.
Assistência social
As propostas dos jovens também pedem políticas de assistência social que fortaleçam suas famílias – para que essas pessoas estejam presentes apoiando a vida e os desafios dos adolescentes. Para isso, eles querem que os gestores públicos aprimorem “a política de atendimento às famílias, estabelecida no Sistema Único de Assistência Social.”
Moradia
Os jovens pedem que, no mínimo, o saneamento básico seja garantido nas regiões periféricas. Dados da ONG Instituto Trata Brasil divulgados pelo Senado em março mostram que cerca de 35 milhões de pessoas no país vivem sem água tratada e 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto. Esse cenário traz impactos socioeconômicos, ambientais e para a saúde – com possíveis contaminações.
Enfrentamento do racismo
A agenda pede que haja políticas mais estruturadas para o enfrentamento do racismo estrutural na sociedade brasileira. De 2008 a 2018, a taxa de homicídios de negros no Brasil cresceu 11,5%, enquanto a taxa de homicídios de não negros caiu 12,9%. Os dados são do Atlas da Violência de 2020. Os jovens querem “um conjunto de ações para fomentar a equidade de oportunidades a adolescentes e jovens negros e políticas públicas de qualificação profissional”.
Segurança pública
No trecho mais extenso do documento, os jovens pedem por reconhecimento de digital em todas as viaturas da Polícia Militar – para identificar os PMs envolvidos e aumentar a transparência do trabalho da corporação; punições mais rígidas para oficiais que pratiquem violência excessiva nas abordagens; um treinamento para que os policiais sejam mais humanizados no trato daqueles que são abordados; câmeras nos uniformes de todos os policiais – para registrar possíveis abusos; e uma participação popular da sociedade como um todo na escolha dos chefes de polícia, que atualmente são indicados pelos governadores.
O possível impacto e os próximos passos
O projeto Agenda Juvenil teve três fases: a primeira com jovens da Fundação Casa; a segunda, com jovens do bairro de São Mateus, zona leste da capital paulista; e a terceira com jovens do bairro Brasilândia, na zona norte.
Em cada fase, os jovens vão apresentar uma agenda propositiva para suas principais preocupações socioeconômicas e urbanísticas. Ao final dos ciclos, todas as propostas serão compiladas e enviadas ao Poder Público. As atividades na Fundação Casa começaram em março e se estenderam até agosto.
A organização da iniciativa vai direcionar as propostas aos tomadores de decisão (parlamentares, secretários, governadores, prefeitos) competentes para cada uma delas. “Uma proposta de mais iluminação nas vias públicas ou de melhores condições de moradia, vamos falar com entes municipais. Se forem propostas de segurança pública, vamos falar também com os entes do governo estadual”, disse a coordenadora de projetos Tsuchida.
“O que marca esse projeto e torna ele mais gratificante é poder ter esses meninos e meninas como protagonistas, como quem de fato diz como esse projeto deve ter continuidade”, afirmou.