Por Rafael Vazquez (leia a matéria original publicada pelo Valor Econômico)
Especialistas dizem que sensação de insegurança tem crescido com relatos de furtos e roubos nas redes sociais
Após o avanço da vacinação e um controle maior da pandemia, os cidadãos paulistas voltaram a sair às ruas para retomar suas atividades em ritmo mais parecido ao que existia antes da covid-19. Com isso, a criminalidade voltou a crescer e já tem níveis próximos aos de março de 2020, quando a pandemia chegou ao país.
Segundo boletim do Instituto Sou da Paz, que mapeia a criminalidade em São Paulo trimestralmente, o número de roubos em todo o Estado cresceu 10,8% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo o maior número desde o primeiro trimestre de 2020. Na categoria de roubos estão excluídos os roubos de carros e cargas, mas estes também tiveram aumentos. Crimes violentos com letalidade, como latrocínio e homicídio, ficaram estáveis.
Um investigador da Polícia Civil que pediu anonimato disse ao Valor que sente como se “estivesse enxugando gelo”. Segundo ele, quanto mais a polícia trabalha, mais bandidos aparecem na cidade. Onde atua, em um bairro de classe média alta da zona leste da capital, as pessoas reclamam cada vez mais dos roubos de celulares e sequestros rápidos em que criminosos forçam as vítimas a fazer transações via PIX.
Esse tipo de crime, segundo especialistas em violência, tem contribuído para aumentar a percepção de insegurança, embora os dados de boletins de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apontem que os roubos e furtos na capital, apesar dos números altos, juntos, ainda estão abaixo do patamar de 2019, ano anterior à pandemia.
Na comparação entre o primeiro trimestre deste ano e de 2019, os roubos passaram de 32.129 para 33.883 casos, um aumento de 5,4%. Por outro lado, o número de furtos caiu de 60.431 para 53.208, queda de 11,95%. Juntando os dois crimes, foram 92.560 ocorrências na cidade de São Paulo no início do último ano pré-pandemia e 87.091 casos de janeiro a março de 2022, uma queda de 5,90%.
Quando se observa os latrocínios, que é o roubo seguido de morte, indicado por especialistas como um tipo de crime que assusta a sociedade pela violência que muitas vezes é assistida por mais pessoas, os números variam pouco, o que por si só tampouco explicaria o sentimento mais elevado de insegurança na maior cidade do país. No primeiro trimestre de 2019, foram 13 latrocínios; o número aumentou para 19 nos primeiros três meses de 2020, caiu para 16 no mesmo período de 2021 e em 2022 foram 17.
A conclusão mais prudente, segundo os especialistas ouvidos pelo Valor, é que a violência em São Paulo está retomando o ritmo junto com as demais atividades e, embora a preocupação seja justa, não está fora dos padrões já conhecido pelos paulistanos.
“A sensação é afetada pelo ambiente urbano, pelo entorno. Estamos vivendo uma crise econômica e social como há muito tempo não vivíamos”, observou a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo. “Isso gera mais desigualdade, mais pobreza. Mais pessoas vivendo nas rua, as cracolândias. São questões que dão visibilidade e geram sentimento de insegurança. Mesmo que alguém nunca tenha sido assaltado, tudo isso gera medo.”
Carolina destaca que roubos e latrocínios, por exemplo, costumam assustar a população. As cenas desses crimes passaram a circular mais frequente e rapidamente pelas redes sociais. Conforme observou, quando vídeos de um roubo de celular seguido de assassinato se disseminam, isso gera comoção natural, pois hoje todos têm celular.
Outro fator que ela destaca é a fraude na internet e os golpes por aplicativo, que aumentam o sentimento de que o crime está rondando por todos os lados e a qualquer momento.
O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Nery diz que o aumento da percepção de insegurança no momento atual já era esperado, dado o contexto social, econômico e também político. “Aspectos socioeconômicos têm grande impacto nos crimes contra o patrimônio e um dos aspectos fundamentais dentro desse contexto é a desigualdade de renda, sendo que essa desigualdade, quando aumenta, tem como impacto inicial um aumento do crime contra o patrimônio”.
Nery pondera que ainda é cedo para tomar conclusões, pois o momento ainda é de transição de saída da pandemia e os dados estão mostrando apenas retorno dos crimes ao nível anterior, mas sinaliza que existe uma tendência de que, quanto mais a desigualdade social aumentar ou se manter no patamar que alcançou nos últimos dois, maior a probabilidade de haver crescimento nos crimes contra o patrimônio e eventualmente contra pessoas (assassinatos).
“No aspecto mais genérico, podemos pensar desta forma e ponderar como a desigualdade de renda, que aumentou na pandemia, agora vai impactar os crimes nas suas diferentes naturezas criminais”, declarou o pesquisador.
Outro fator contemporâneo que contribui para a percepção de uma violência mais grave do que os dados indicam é a polarização política. “Não tanto por ser ano eleitoral, e sim mais pelo contexto das eleições atuais. Grupos em bolhas discutindo temas e utilizando meias verdades e mentiras para atacar o lado que não concordam. Por exemplo, uma maneira de atacar um governador é afirmar que a violência está maior do que efetivamente está”, afirmou Nery.
“Estamos em um ambiente muito aguerrido. Isso torna o debate de segurança pública mais visceral do que já é”, corrobora Carolina. “Mas sempre houve um descolamento entre o dado objetivo dos indicadores de criminalidade e a sensação de insegurança. O debate de segurança pública sempre buscou lidar com as duas coisas”, completou.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou por meio de sua assessoria de comunicação que não comenta pesquisas “cuja metodologia desconhece”. Segundo o órgão, os índices de roubos estão em queda no Estado, quando comparamos o primeiro quadrimestre deste ano com o mesmo período de 2019, último ano pré-pandemia. Os roubos em geral caíram 4,9%, passando de 83.152 para 79.119, enquanto os roubos de carga diminuíram 9,4% — de 2.414 e 2.188. O Estado terminou o mês de abril com as menores taxas de homicídios dolosos. No mês, foram registrados 230 boletins de mortes intencionais, com 237 vítimas. Em abril de 2019, foram contabilizados 255 homicídios dolosos, com um total de 262 vítimas, com redução de 9,8% e 9,5%, respectivamente. Os totais atuais são os menores da série histórica, iniciada em 2001, sem contar os números apresentados nos anos de 2020 e 2021, quando a circulação de pessoas era significativamente menor, por causa da pandemia.
A pasta afirma estar atenta à variação dos índices criminais em todas as regiões do Estado e realiza ações específicas para reforçar o policiamento e ampliar a sensação de segurança da população. O número de policiais nas ruas dobrou com a Operação Sufoco. Até o momento, a ação já deteve mais de 4,1 mil pessoas e recuperou um total de 568 veículos que haviam sido roubados ou furtados. Também foram apreendidas cerca de 24,4 toneladas de drogas e 248 armas de fogo ilegais foram retiradas das ruas.
A SSP usa as estatísticas para orientar o policiamento conforme as áreas de maior incidência de crimes.