De 2010 a 2018 foram comercializadas 1,4 bilhão de munições, mas apenas 31% deste total tinham a marcação de lote que permite o rastreamento.
Levantamento exclusivo do Instituto Sou da Paz, elaborado a partir de dados recebidos do Comando do Exército pela Lei de Acesso à Informação, mostram um quadro preocupante de rápido crescimento do número de munições vendidas no país e de perda considerável no seu controle.
Se em 2010 43% das munições eram marcadas, em 2018 a participação destas ficou em apenas 26%, ou seja 3 em cada 4 munições vendidas no Brasil não podem ser rastreadas pela polícia.
Em um país com mais de 40 mil mortes com arma de fogo por ano é inadmissível que não avancemos no uso destes mecanismos de controle.
A marcação de munições em lotes é uma inovação trazida pelo Estatuto do Desarmamento (lei 10.826) aprovado em 2003. Naquela época, por pressão da indústria brasileira de munição, apenas exigiu-se das instituições com direito ao porte de arma a compra de munição marcada
Esta inscrição única gravada na base do estojo deve ser feita em lotes de até 10 mil munições (conforme regulamento do Exército). Esta medida já ajudou a esclarecer uma série de homicídios no país. Dentre os mais emblemáticos, podemos citar a execução da juíza Patrícia Acioli e a chacina do Jardim Rosana em São Paulo.
Como é comum que em alguns tipos de armas o estojo seja ejetado após o disparo, é frequente que estes itens sejam abandonados no local de crime e se transformem em ferramentas importantes para o seu esclarecimento.
“A exigência de marcação para 100% da munição vendida já deveria ser uma realidade no Brasil, assim como a obrigatoriedade de lotes menores” afirma Bruno Langeani do Instituto Sou da Paz. ‘Só existe uma única fábrica de munição no Brasil que já dispõe da tecnologia há mais de 15 anos, não há razão para deixarmos de progredir no controle de munições. A marcação é tanto uma peça central da elucidação de crimes, mas também ajuda a chegar em pessoas que intencionalmente desviam ou comercializam ilegalmente munições e que abastecem a violência no país.
Um inquérito civil (1.24.000.000548/2018-08) foi aberto no Ministério Público Federal da Paraíba para apurar as condições de controle do mercado de munições no Brasil, uma responsabilidade do Exército. A motivação foi a descoberta de que as munições de calibre 9mm envolvidas na execução da vereadora Marielle e Anderson Gomes em março de 2018 no Rio de Janeiro pertenciam ao lote UZZ18 comprado pelo Departamento da Polícia Federal em 2006. Análises adicionais apontaram que esta compra tinha quase 2 milhões de cápsulas com o mesmo lote, o que contraria a portaria do Exército.
O levantamento foi objeto de matéria do jornal O Globo em março.