Programa da Rádio UFMG Educativa ouviu vítimas e especialistas sobre os impactos do aumento do número de armas em circulação no Brasil
O número de armas registradas por cidadãos comuns no Brasil aumentou 330% entre março de 2019 e outubro de 2021. Passou de 19.750 no primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência da República para pouco mais de 85 mil em 2021. No grupo dos chamados CACs, caçadores, atiradores e colecionadores, o aumento no registro de armas foi de quase 200%. O levantamento é dos Institutos Igarapé e Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação.
O episódio 83 do programa Outra Estação, da Rádio UFMG Educativa, analisa as consequências desses números do ponto de vista da segurança e da saúde pública. Foram ouvidas vítimas da violência com armas de fogo em comunidades de Belo Horizonte, além de especialistas: Valéria Oliveira, professora do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) e do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares (Nupede); Elis Borde, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG; e Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz.
Mais armas, menos proteção
Desde o início de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro vem editando decretos que facilitam o acesso a armas e munições no Brasil. A constitucionalidade dos últimos quatro decretos, publicados em fevereiro de 2021, está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após ações abertas na corte por diferentes partidos, que argumentam, entre outros pontos, que os atos do presidente ferem o Estatuto do Desarmamento.
A flexibilização do acesso às armas é uma bandeira do Presidente da República, que defende que as armas são um direito do cidadão e que garantem a legítima defesa. A professora do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG, Valéria Oliveira, no entanto, questiona os argumentos que vêm sendo utilizados pelo governo para facilitar o acesso às armas.
Segundo ela, a discussão sobre armas de fogo deve ser coletiva. “Quando cada um tem sua arma, nós aumentamos exponencialmente o número de armas adquiridas por aquela sociedade como um todo. E isso não é positivo”, comenta a professora da UFMG. Valéria Oliveira também questiona a noção de que mais armas em circulação significam mais proteção para as pessoas, inclusive policiais.
Impactos na saúde pública
Um estudo divulgado em dezembro de 2021 pelo Instituto Sou da Paz mostrou que, em 2020, o país registrou 17,2 mil internações decorrentes de lesões provocadas por arma de fogo. Isso custou cerca de 38 milhões de reais ao Sistema Único de Saúde.
Mas o impacto na área vai muito além dos recursos empregados. Elis Borde, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, defende que as armas de fogo deixam rastros e sequelas muito profundas na sociedade, principalmente nas comunidades mais afetadas pela violência. Na avaliação de Elis Borde, o aumento de armas em circulação forma um ambiente ainda mais perigoso para grupos vulneráveis, como mulheres e população LGBTQIA+.
Levantamento feito em 2019 pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostrou que, a cada sessenta minutos, uma criança ou adolescente morre por arma de fogo no Brasil. Nas duas últimas décadas, foram registradas 145 mil mortes de pessoas entre zero e dezenove anos por causa de disparos intencionais ou acidentais.
Os estudos em todo o mundo mostram que as consequência do acesso às armas são especialmente sérias no caso de crianças. A professora Elis Borde explica que isso acontece não apenas em casas com armas, mas também por meio da presença e da ostentação de armas nas comunidades.
Solução passa por mais controle e prevenção
Diante do crescimento do número de civis armados de forma legal no Brasil, organizações da sociedade civil, como o Instituto Sou da Paz, defendem um controle rígido do acesso às armas e às munições. O gerente de relações institucionais do Instituto, Felippe Angeli, argumenta que é preciso investimento em um sistema de policiamento majoritariamente focado na proteção.
A organização ainda advoga pelo desenvolvimento de políticas voltadas para prevenção da violência entre jovens e o aprimoramento do sistema socioeducativo, com respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo levantamento publicado em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um adolescente detido por porte de arma tem uma chance 77% maior de reincidir no sistema socioeducativo, se comparado a um adolescente que não praticou esse ato.
Resposta do governo
A produção do Outra Estação procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber o que a pasta está fazendo em relação ao enfrentamento à violência. O Ministério respondeu, em nota, que uma das estratégias previstas no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, atualizado em 2021, é o desenvolvimento de ações integradas destinadas à prevenção e à repressão à violência e à criminalidade. Segundo a pasta, ela também promove ações voltadas a grupos vulneráveis, como vítimas de violência doméstica e idosos.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou ainda que o combate à violência contra crianças e adolescentes foi prioridade em 2021. Em relação aos investimentos nas polícias, a pasta diz ter liberado o repasse de mais de 722 milhões de reais aos estados e ao Distrito Federal.
Para saber mais
Atlas da Violência de 2021, que traz informações detalhadas da violência no Brasil.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, publicação baseada em informações das secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública.
Estudo Custos da violência armada: Estimação e análise dos gastos com vítimas de arma de fogo atendidas na rede hospitalar do SUS, publicado pelo Instituto Sou da Paz.
Reentradas e Reiterações Infracionais: um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional brasileiros, pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).