Pessoas negras morreram três vezes mais por armas de fogo em 2019 do que não negras
Conter o acelerado aumento na circulação de armas de fogo e o tráfico de armas, considerando o contexto atual de retrocessos na política de controle de armas no país, é urgente para proteger a vida das pessoas negras no Brasil, uma vez que elas são as principais vítimas: 78% das vítimas fatais por agressão com arma de fogo. Esse é o alerta do novo estudo do Instituto Sou da Paz “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”. Nele, a organização produziu um raio-x de como os homicídios com arma de fogo, principal instrumento usado para tirar a vida no país, atinge especialmente a população negra a partir do gênero, faixa etária, escolaridade, local da morte e regiões do Brasil.
A análise, feita a partir dos dados de 2012 a 2019 do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, evidencia mais uma vez o quanto o racismo estrutural violenta a população negra, que responde historicamente pela maioria das vítimas de homicídio no país, e principalmente homens e jovens: a taxa de mortalidade por homicídio de jovens negros é 6,5 vezes maior do que a taxa nacional, desigualdade denunciada como genocídio da juventude negra pelos movimentos sociais.
A análise permitiu um olhar minucioso sobre o perfil das vítimas e revela que alguns grupos têm sido mais vitimados do que outros. Em 2019, os homens negros representaram 75% das vítimas de agressão com arma de fogo no país, contra 19% de homens não negros, enquanto as mulheres negras somaram 4% das vítimas, contra 2% de mulheres não negras. Adolescentes e jovens (15-29 anos) somaram 61% entre as vítimas negras, enquanto esse grupo respondeu por 51% dos óbitos na população não negra.
Já em relação ao emprego da arma de fogo no cometimento da agressão, observa-se a maior desigualdade no grupo de crianças e adolescentes (até 14 anos), no qual a proporção de violência armada nas mortes por agressão é duas vezes superior para as vítimas negras: 61% das vítimas negras até 14 anos foram mortas por arma de fogo enquanto entre as não negras essa proporção foi de 31%. Embora crianças e adolescentes até 14 anos representem cerca de 1% do total de vítimas da violência armada e apresentem taxa de mortalidade mais baixa do que a da população em geral, chama a atenção também a desigualdade na vitimização de crianças e adolescentes negras mortas por agressão com arma de fogo, cuja taxa (por grupo de 100 mil habitantes) é 3,6 maior do que a de não negras em 2019.
“Esse dado escancara o racismo estrutural e se torna mais cruel na medida que mostra que crianças negras morrem muito mais vítimas de arma de fogo do que as crianças brancas”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Sociedade e governos precisam olhar para esse números com a urgência necessária e tomar medidas imediatas para interromper esse ciclo. Por trás de cada número há uma vida interrompida brutalmente pela violência armada. São mortes evitáveis”, diz.
Considerando que a escolaridade é fator de risco para homicídios, as informações sobre a escolaridade das vítimas evidenciam o quanto a ausência de outras políticas públicas, como educação, impacta mais na violência contra pessoas negras e mostram que entre as vítimas mais jovens negras a escolaridade é ainda mais baixa do que entre as vítimas não negras. 65% das vítimas adolescentes negras de 15 a 19 anos e 52% das não negras tinham até sete anos de escolaridade. Já entre as vítimas jovens (20-29 anos) negras, 59% tinham até sete anos de escolaridade, enquanto entre as não negras essa proporção foi de 45%.
Desigualdade maior é no Nordeste
O recorte regional também indica que a vitimização negra prevalece com maior desigualdade no Nordeste, onde em 2019 a taxa foi quase quatro vezes maior para a população negra, enquanto na região Sudeste a diferença é de 2,5 vezes, seguida pela região Norte (2,3 vezes maior) e Centro-Oeste (2 vezes).
Vítimas morrem mais na rua
A rua desponta como principal local onde ocorrem as agressões com armas de fogo que resultam em morte, seguida pela casa. Se ambas as populações, negra e não negra, estão mais sujeitas à vitimização fatal por arma de fogo no ambiente público ou fora da residência, a exposição da população negra é muito maior fora de casa, com taxa de óbitos três vezes superior à da não negra em 2019.
Já no caso da violência armada não fatal, a rua é o principal local de ocorrência das agressões contra homens, sobretudo no caso dos adolescentes (15-19 anos). Chama atenção que no grupo de adolescentes de 10 a 14 anos os meninos não negros estão mais vulneráveis em casa (38%) enquanto para os meninos negros a rua prevalece como local onde ocorreu 54% dos eventos. Entre as mulheres a residência prevalece como local da agressão, de modo mais acentuado entre as não negras em comparação às negras.
Mulheres não negras estão mais expostas em casa à agressão armada não fatal
Já nos casos de agressões não fatais atendidos nos serviços de saúde, chama atenção que entre as mulheres (negras e não negras) a residência prevaleça como o principal local onde ocorrem os episódios de violência armada, mas de modo mais acentuado no caso das mulheres não negras (46%) em comparação com as negras (38%). Em todas as faixas etárias as mulheres estão mais vulneráveis em casa, à exceção das jovens (15-29 anos), para quem a rua prevalece como local da agressão, tanto entre as mulheres negras como não negras (cerca de 40%), seguida pela residência.
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Izabelle Mundim e Rayane Figueiredo – imprensa@soudapaz.org