Por Lia Bock (leia matéria completa publicada pelo UOL)
Durante a fatídica reunião de 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro bradou sobre seu assumido desejo de “armar a população“. O discurso de fundo que, para ele, justifica esse temeroso ato é a legítima defesa.
Poderíamos até pensar que, armadas, nós, mulheres, teríamos mais facilidade de nos defender de companheiros violentos e aproveitadores metidos a besta.
Mas não precisa ser nenhuma gênia para saber que isso é uma utopia quase tão distante quanto a Ilha Paraíso, aquela onde nasceu Diana, a Mulher-Maravilha. Quantas de nós se sentiram de fato seguras com uma arma (mesmo que nossa) no meio de uma discussão com um brutamontes que é o dobro do nosso tamanho e costuma ter facilidade para acessar sua raiva?
Pior: quantas de nós conseguiriam manter a tranquilidade sabendo que o ex com ego ferido, coração partido e histórico de abusador pode sair para comprar uma arma legalmente com facilidade?
Nós devemos ser contra o armamento da população porque no fim da linha somos nós que morremos. Devemos ser contra porque violência gera violência e nesse jogo a gente sabe quem perde. Vemos essa história todo dia – pra ser precisa: mais de três vezes por dia.
Sim, porque em 2019, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas. Isso em um ano em que o Brasil teve 19% a menos de assassinatos no geral. Mas o assassinato de mulheres – na maioria das vezes pelo companheiro ou pelo ex – seguiu aumentando. É muito importante ressaltar aqui que sete a cada 10 vítimas foram mortas em casa, provavelmente com aquela arma que, supostamente, foi comprada para legítima defesa ou para “proteger a família”. O instituto Sou da Paz identificou que, em muitos casos, crianças e jovens testemunharam a morte de suas mães, tendo como autor o pai ou alguém muito próximo.
Vocês percebem que esse discurso de legítima defesa é na verdade uma roubada gigantesca? Percebem que com a facilidade de adquirir armas só veremos o aumento de estatísticas que já existem? Sim, porque estatísticas servem justamente pra isso, nos mostrar para onde estamos indo e quais medidas podem ajudar ou atrapalhar nossa meta. Neste caso, a meta feminina é uma só: ficar viva! E isso não depende de credo ou orientação política
Então, quando alguém disser que precisa armar a população, seja qual for o motivo, lembre-se que o primeiro alvo não será comunistas ou alienígenas raivosos, seremos nós. E não se esqueça, arma comprada para proteger a família é a mesma que assassina mulheres algumas casas adiante neste mesmo tabuleiro.