Por Vinícius Valfre, do jornal A Gazeta (ES)
Um argumento recorrente dos armamentistas é o de que países desenvolvidos, como os Estados Unidos, têm políticas muito mais flexíveis para acesso de civis às armas de fogo, e isso não os coloca em destaque na lista dos com mais homicídios. Estudiosos da violência, no entanto, dizem que o interesse em armar populações esconde incivilidade, pois amplia o ambiente de hostilidade mútua em vez de atacar causas da insegurança.
De fato, mata-se muito no Brasil. Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), de maio de 2016, atesta que temos a 9ª maior taxa de homicídios por grupos de 100 mil habitantes das Américas. O país fica atrás só de países como Venezuela, Colômbia e Guatemala. Os EUA só aparecem na 31ª das 35 posições do ranking.
Mas os estudiosos não acham justa a comparação feita entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Além disso, o coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, destaca que diferenças culturais entre ambos os países precisam ser levadas em alta consideração.
“São décadas de enfrentamento, com polícia e política de encarceramentos mais eficientes. A arma não mata. Quem mata é o cidadão com arma. Nos EUA, eles têm tradição histórica que vem da expansão das fronteiras e que eles mantêm. Aqui, temos a cultura da violência, de terminar qualquer conflito matando o outro. É assim na rua, no bar e nas famílias. É um diferencial com relação ao resto do planeta”, afirma Jacobo, pesquisador que é referência em segurança pública no Brasil e autor do Mapa da Violência.
Socióloga e cientista social do Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias (NEI) da Ufes, a professora Márcia Barros Ferreira Rodrigues não concorda que o armamento civil dá à população norte-americana o status de segura.
“Os EUA são belicistas, não são exemplo. Têm uma sociedade extremamente violenta. De tempos em tempos vemos estudantes matarem professores. A posse de arma é uma coisa que sempre deve ser liberada com cautela”, afirma.
Com arma na mão
Os especialistas explicam que o interesse pelo armamento civil é comum em tempos de anomia – conceito estabelecido pelo sociólogo francês Émile Durkheim no século XIX e utilizado para definir um estado temporário de ausência de regras.
Para Márcia Barros, o conceito aplica-se ao que aconteceu no Espírito Santo durante a greve da Polícia Militar.
“O momento de anomia comprova a necessidade de regras sociais, uma máxima da Sociologia. Gera, obviamente, o pânico. A sensação de insegurança e os índices de homicídio aumentaram absurdamente. O secretário de Segurança chegou a falar em milícias. Tudo isso incentiva um tipo de justiçamento, que leva a um pavor e interesse em se armar”, explicou a professora.
Jacobo avalia que a sensação de segurança ao estar armado é falsa.
“Está comprovado por estudos que pessoas armadas têm aproximadamente 40% a mais de chance de morrer do que uma pessoa não armada, na mesma situação. O cidadão leva uma arma num cofre ou num coldre. O bandido leva a arma na mão. O bandido está disposto a matar e a morrer. Quem ataca é o bandido, quem defende é o cidadão honesto”, diz.
Dia a dia
Apesar dos riscos, o empresário Sandro Moreira, 39, não vê muitas alternativas a não ser providenciar uma arma. Já investiu em grades, câmeras de segurança e cerca elétrica. Mesmo assim, sente-se inseguro e não consegue ficar tranquilo delegando toda a responsabilidade pela segurança às forças do Estado. Ele estuda comprar uma arma para sua casa e outra para o local de trabalho, como permite a legislação.
“Penso que, se algum bandido invade, ele tem mais chance de me render se eu não estou armado. Muita gente percebeu isso no período (de greve da PM)”, frisou.
Análise
Violência reduz com menos armas
Era esperado este crescimento da procura por arma de fogo após a greve da PM. Existem inúmeras pesquisas que apontam que as armas não são bons instrumentos de defesa. Aumentam o risco de suicídios e de acidentes. As pessoas têm direito de comprá-las, mas é preciso ter clareza dos riscos. Outro ponto importante é que o Espírito Santo, antes dessa greve, era tido como uma referência na política de segurança. Em poucos anos conseguiu reverter indicadores. Em 2007, 2008 e 2009, estava entre os três Estados mais violentos. Em 2014 e 2015, foi um dos que mais apresentaram redução de criminalidade. As políticas que salvaram vidas não foram conseguidas com arma na mão da população. Aliás, dados mostram que a redução da violência bate com a retirada de armas das ruas.
Bruno Langeani, Coordenador da Área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz
Disponível em: http://novo.gazetaonline.com.br/especiais/2017/04/sociedade-armada-nao-garante-paz-dizem-especialistas-1014043197.html