Por Clóvis Rossi, na Folha de S. Paulo
Está sendo lançada nesta segunda-feira (8) no Rio de Janeiro uma campanha cujo objetivo primordial é salvar a vida de 413 mil latino-americanos. Dá mais do que toda a população de Vitória, capital capixaba, com seus 360 mil habitantes.
Em números relativos, trata-se de reduzir a taxa de homicídios na região pela metade em 10 anos.
A campanha chama-se Instinto de Vida (detalhes em br.instintodevida.org) e é uma iniciativa de 33 organizações latino-americanas.
Do Brasil, participam o Instituto Igarapé, Nossas, Instituto Sou da Paz, Anistia Internacional Brasil, Observatório de Favelas e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Reduzir o morticínio é o ponto de chegada. O ponto de partida, lançado nesta segunda, é tentar mobilizar a opinião pública e sensibilizar autoridades em torno da urgência do tema.
“Precisamos definitivamente colocar o tema na agenda”, diz Ilona Szabó, diretora-executiva do Igarapé.
Concordo plenamente. Aliás, acho inacreditável que ainda não tenha um lugar destacado na agenda das autoridades e da própria sociedade.
Os números são eloquentes, gritantes até: a América Latina concentra apenas 8% da população mundial, mas nela são cometidos 38% dos homicídios registrados no planeta.
São 144 mil assassinatos por ano na região, 60 mil deles no Brasil.
A campanha está centrada em sete países latino-americanos, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Venezuela, nos quais ocorrem 34% dos homicídios registrados no mundo.
Ante tais evidências, é inaceitável que os governos não tenham um elenco de iniciativas capazes de ao menos reduzir o morticínio. Talvez por isso, a sociedade tampouco se mobiliza. Ao contrário, parece aceitar a catástrofe como se fosse um fenômeno natural, impossível de ser contido ou, ao menos, reduzido.
É claro que não é fácil atingir a meta a que se propõe a campanha. Mas aceitar a dificuldade como desculpa para a inação é ser cúmplice de uma matança em massa.
Robert Muggah, pesquisador do Igarapé, lista alguns passos necessários, a saber:
1 – Os investimentos devem apoiar-se em dados, em evidências. É recomendável a criação de um sistema digital de monitoramento do crime.
2 – Os recursos destinados ao policiamento e aos serviços sociais, mesmo escassos, devem ser direcionados para pessoas, lugares e comportamentos de alto risco.
(Note-se que o pesquisador faz de policiamento e serviços sociais um casal indissolúvel. Há quem diga que o fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro, agora constatado, se deve ao fato de que a polícia foi às comunidades, mas os serviços sociais não foram).
3 – Uma forte coesão social ou o que os sociólogos chamam de eficácia coletiva, a habilidade dos membros da comunidade de controlar o comportamento de outros, especialmente en bairros inclinados à violência.
4 – Liderança. As autoridades nacionais e locais, a comunidade de negócios, as ONGs e as universidades devem apropriar-se do problema.
Para Muggah, a campanha se baseia no princípio de respeitar a vida e de fazer uso proporcional da força, assegurando um equilíbrio entre medidas punitivas e preventivas, além de assegurar o máximo de participação da sociedade no processo.