Em tempos de isolamento social, números acendem mais um alerta sobre a necessidade de fortalecer políticas de proteção a mulheres vítimas de violência, afirma Instituto
O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em que o autor é motivado pelo fato de ela ser do gênero feminino. Em 2019, 180 mulheres foram vítimas deste crime no estado de São Paulo, número recorde e que foi 30% maior do que em 2018, quando este crime vitimou 137 mulheres no estado.
O Instituto Sou da Paz produziu uma análise especial sobre este crime em sua última edição do Boletim Sou da Paz Analisa Panorama 2019, divulgada nesta segunda-feira (13), que se debruçou sobre as estatísticas criminais do estado de São Paulo ao longo do último ano com base nos números disponibilizados pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP) e Corregedorias das Polícias Civil e Militar.
Os dados de feminicídio também mostram que a residência foi o principal local onde acontecem. Em 2019, 70% deles (125 casos) ocorreram dentro de casa, um aumento de 40% em relação ao número de feminicídios (89 casos) praticados no mesmo local no ano anterior.
“Os dados acendem um alerta para este momento em que muitas mulheres vítimas de violência doméstica estão isoladas em casa com seus parceiros. Não só no Brasil, mas também em outros países, como Alemanha, China e Itália, o aumento da violência doméstica por conta do confinamento já vem sendo verificado ”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. Segundo ela, os dados do Disque-denúncia nacional divulgados recentemente corroboram essa preocupação. “Após o decreto de quarentena para conter o coronavírus, as denúncias de violência doméstica aumentaram 17% no Brasil. É preciso atuar preventivamente, com ações como verificar a recorrência de chamados policiais num mesmo endereço, pois feminicídios muitas vezes ocorrem após uma sequência de violências anteriores”, diz.
O boletim também revela que em 80% dos casos a vítima conhecia o autor do feminicídio e que este crime tem sido observado em todas as faixas etárias. Em 2019, observa-se um aumento inclusive nas faixas etárias mais velhas, com mais vítimas de mais de 55 anos. A faixa etária onde ocorrem mais feminicídios é a entre 25 e 29 anos.
O Boletim também analisa detalhes dos casos envolvendo menores de 15 anos, onde há quatro crianças/adolescentes mortas. Em três casos o autor foi o próprio pai, que também matou a mãe da jovem. Em dois desses casos foi usada uma arma de fogo.
“É possível identificar também que em muitos casos crianças e jovens testemunharam a morte de suas mães, tendo como autor o pai ou alguém muito próximo. Portanto, é fundamental implementar políticas públicas para prover assistência psicológica a essas crianças”, diz Carolina.
Outro dado do boletim que chama a atenção diz respeito aos autores das agressões. Em 35 casos (12%) os feminicidas cometeram suicídio após praticar o crime. Em dois desses casos eles reagiram à abordagem da polícia.
Chamou a atenção do Instituto a ausência de dados sobre raça: apenas 18% dos registros apresentavam esta informação. “Apesar da importância desse recorte, a ausência mostra que não é uma prioridade das autoridades de segurança pública. É preciso avançar na transparência de dados sobre raça para endereçar melhor as políticas públicas de combate aos feminicídios”, recomenda Carolina.
A Polícia Civil do Estado de São Paulo passou a permitir o registro online de casos de violência doméstica.
Sobre o Boletim Sou da Paz Analisa
O Instituto Sou da Paz analisa as estatísticas divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP) e pelas Corregedorias das Polícias Civil e Militar do Estado desde 2012 com o objetivo de contribuir para a melhor compreensão da dinâmica criminal e atividades policiais em cada região do estado de São Paulo. Também utilizamos estimativas populacionais dos municípios e distritos policiais oriundas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), respectivamente, bem como dados sobre a frota de veículos nos municípios paulistas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Além disso, a presente edição traz análises realizadas com base em dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre estupros, roubos e prisões no estado. Todas as edições do boletim podem ser acessadas aqui: http://migre.me/uUScX