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    Nota Pública do Instituto Sou da Paz sobre o decreto nº 9.797, de 21 de maio de 2019

    22 de maio de 2019 às 04:23

    Um terceiro decreto flexibilizando a política nacional de controle de armas foi publicado pelo presidente Jair Bolsonaro em seus cinco meses de governo, marcando também um terceiro ataque direto à lei de controle de armas e à separação de poderes. O Instituto Sou da Paz recomenda que estes decretos sejam imediatamente revogados.

    O Estatuto do Desarmamento inaugurou uma política de controle responsável de armas e munições. Criou o conceito de efetiva necessidade como condição indispensável para a aquisição de arma de fogo. Quanto à possibilidade de se andar armado nas ruas, proibiu o porte excetuando profissões e casos individuais específicos. Não poderia o presidente ter alterado o cerne da lei, como fez nos decretos publicados.

    Os decretos se caracterizam pela absoluta falta de transparência do processo decisório. Não foram debatidos com a sociedade ou sequer com as organizações policiais e Secretarias de Segurança Pública que têm a responsabilidade diária de prevenir e combater crimes. Sem ouvir pesquisas que indicam que já temos uma grande quantidade de armas de origem legal usadas em crimes e sem ouvir aqueles que arriscam suas vidas diariamente, autorizou que pessoas comuns comprem e portem armas com poder destrutivo superior ao das forças públicas. Não à toa, hoje foi publicado um artigo subscrito por 14 governadores brasileiros se posicionando contra estas alterações.

    O primeiro decreto deste mês foi claramente redigido às pressas, impossibilitando inclusive a avaliação técnica dos Ministérios da Justiça e da Defesa, órgãos centrais para o controle do mercado e da circulação de armas de fogo. Tanto é assim que nesta semana, uma fabricante de armas surpreendeu o governo informando que comercializaria um fuzil semiautomático de alto poder de destruição que atendia às novas regras de comércio de armas para a população civil. Procurado, o governo desmentiu, porém, editou, às pressas, outro decreto que altera pontos e corrige erros técnicos daquele publicado no início do mês, como a descrição de armas permitidas e até mesmo o esquecimento da definição do prazo de validade dos registros de porte. Mais uma vez, o novo decreto foi editado sem qualquer transparência.

    Ainda que anunciado como mais “ameno”, o decreto de hoje não corrige os mais graves pontos do decreto anterior: a concessão de porte de arma para 19 categorias profissionais em clara afronta à determinação legal. Ele, inclusive, piora esta disposição agora autorizando o porte à totalidade de advogados registrados no país, mais 1,1 milhões de pessoas. Adicionalmente, insiste no erro de autorizar a compra de grandes quantidades de armas e de munições para diversas categorias, por exemplo até 60 armas para atiradores e 5.000 munições por ano para defesa pessoal, escancarando a porta para desvios para o crime e fragilizando a já insuficiente capacidade de fiscalização do Exército e da Polícia Federal, entre outros problemas.

    Pareceres técnicos da Câmara dos Deputados e do Senado já foram produzidos indicando que diversas mudanças introduzidas nos decretos são ilegais. Cinco ações já foram protocoladas no STF contestando a nova política de descontrole de armas de fogo. A ministra Rosa Weber, relatora de algumas destas ações, deu um prazo ao governo que vence hoje para que explicasse as alterações legais feitas via decreto. Aparentemente, a resposta foi dada no Diário Oficial: o governo não reconheceu seu erro e ainda aumentou a quantidade de pessoas com prerrogativa para andarem armadas (porte).

    Enquanto o governo bate cabeça, ignora o desejo da sociedade que se manifestou – 64% contra a concepção de posse de armas como um direito, segundo pesquisa Datafolha- e atropela seus próprios ministérios. Ainda mais grave, a insegurança jurídica trazida pela dificuldade em categorizar por calibres, força cinética de armas de uso restrito e permitido tem como consequência atrapalhar o trabalho policial. Neste momento, há policiais atendendo ocorrências em que não está claro se a arma apreendida é de uso permitido ou restrito e seguimos nos espantando com as cenas de violência que diariamente se superam.

    O desejo obsessivo que demonstra o governo por uma verdadeira corrida armamentista só atende a uma minoria radicalizada, à indústria e comércio de armas e munições e às organizações criminosas que terão acesso farto e generoso com a maior circulação de armas no país. O governo ignora evidências óbvias de que aumentará nossa já insuportável violência cotidiana. Que estes decretos sejam revogados imediatamente.

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