Por Lígia Guimarães, do Valor Econômico
Além de pecar pela falta de planejamento e pela ação “atabalhoada”, sem assistência social ou de saúde que poderia facilmente ter sido oferecida aos usuários removidos da região, a operação executada desde domingo por Prefeitura e governo do Estado na Cracolândia, no centro de São Paulo, reforça uma tradição negativa das políticas públicas no BrasiL: a descontinuidade, que leva programas e ações a serem absolutamente “jogados fora”, em vez de ajustados, a cada mudança de gestão pública. “No domingo, o prefeito anunciou que o programa Braços Abertos acabou, mas não colocou nada no lugar. O programa Redenção ainda não é um programa, é uma carta de intenções”, afirmou o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, que participa do seminário “Desafios na Gestão da Segurança Pública”, promovido pelo Insper, Instituto Sou da Paz e Fundação Brava. Ontem, três pessoas ficaram feridas depois que uma escavadeira iniciou a demolição de uma pensão na Alameda Dino Bueno, nos Campos Elísios, com moradores ainda dentro.
O projeto De Braços Abertos funcionou durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), com foco na redução de danos, linha considerada a “vanguarda” nas políticas de combate ao crack, segundo Langeani, e que “parte do pressuposto de que o viciado não deixará de usar crack de uma hora para outra”. Os primeiros desenhos da política do prefeito João Doria (PSDB) vão na direção contrária, mas sem que haja um plano claro de ações ou avaliação técnica, conhecido pela sociedade, do que foi feito até agora e do que precisa mudar. Langeani diz que, no programa anterior, dois terços dos participantes reduziram o consumo de crack e estavam trabalhando.
O projeto Redenção, da gestão Doria, pretende erradicar o tráfico de drogas em oito regiões da cidade. O projeto prevê ações em cinco campos: policial, social, medicinal, urbanístico e de zeladoria urbana. As iniciativas, segundo a prefeitura, vão envolver grupos de trabalho que serão coordenados por quatro frentes: governo municipal, governo estadual, governo federal e sociedade civil organizada. “O programa de Haddad tinha problemas, principalmente na questão da habitação e dos hotéis oferecidos aos usuários. Mas você furou um programa que tinha sido pensado e não colocou nada no lugar”, afirmou o especialista.
Ele diz que o relato de coordenadores de albergues e ONGs que prestam assistência na Cracolândia é de que eles não foram avisados da operação coordenada pelo prefeito João Doria e pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), o que impediu que estivessem preparados para abrigar e atender os usuários removidos do local. “Por isso, as pessoas foram desalojadas dos hotéis sem lugar alternativo para abrigá-las. Há fotos de usuários dormindo no chão, em uma época em que está frio, chovendo, o que agrava o problema”, diz.
Langeani destaca que, na operação de Doria, funcionou a primeira parte do trabalho investigativo, que resultou na apreensão de armas e prisão de traficantes que atuavam na área. Mas, em se tratando de um problema de saúde pública, é preciso atender os usuários com assistência social, de saúde e psicológica, e não apenas pulverizar o problema em outros pontos da cidade. “Com a guarda municipal aquela área está linda, mas os usuários estão perambulando”.