O jornal O Estado de São Paulo, em parceria com o Insper, lançou recentemente um livro com propostas aos governos federal e estaduais sobre temas vitais na vida dos brasileiros. A publicação é resultado do projeto Fóruns Estadão Brasil 2018, que reuniu entre abril e setembro do ano passado dezenas de especialistas para tratar dos principais desafios do país em áreas como educação, segurança, saúde, infraestrutura, meio ambiente e agricultura. Convidado a participar dos debates sobre segurança, o Instituto Sou da Paz mediou discussões sobre problemas do sistema carcerário, reforma das polícias e política de drogas, entre outros.
Confira abaixo o artigo do Instituto no livro enviado à presidente Dilma Rousseff e aos governadores estaduais eleitos em outubro de 2014:
O Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo
Mesmo com elevados índices de prisão, os crimes violentos continuam em alta
O caos do sistema prisional brasileiro é tema grave em nossa política de justiça e não tratá-lo com a devida centralidade é uma das maiores irresponsabilidades de nossos gestores. No entanto, a discussão sobre o modelo de prisão que o Brasil precisa deve ser inserida dentro de um contexto maior. A dura realidade é que o Brasil prende muito, mas prende muito mal.
A população carcerária brasileira é a 3ª maior do mundo, sendo o crescimento observado entre 2000 e 2014 de praticamente 150%. No entanto, o país continua convivendo com altas taxas de crimes violentos, como homicídios que vitimaram 56 mil brasileiros em 2012. A falência do sistema de punição no Brasil, demonstrado pela desconexão entre as altas taxas de violência e os presídios superlotados, é ainda reforçada pela taxa de reincidência entre os que recebem pena de prisão, que varia entre 70 e 85%. É preciso repensar não só quem prender, mas também como tratar os que merecem reclusão. Assim, enquanto acreditarmos que prisão é a única forma de tratar os criminosos, seguiremos rumo ao fracasso no combate à violência e o colapso de nossa capacidade prisional.
Para reverter esse quadro é necessário investir em formas de responsabilização penal diferentes do encarceramento. A prestação de serviço à comunidade ou medidas cautelares que mantenham o autor do crime vinculado ao processo e práticas de justiça restaurativa e mediação de conflitos são bons exemplos de como resolver o problema de forma mais efetiva – especialmente naqueles crimes praticados sem uso de violência, que tem sido os responsáveis pelo aumento da população carcerária no país.
Concretamente, o governo federal deve priorizar a adoção de uma Política Nacional de Alternativas Penais, começando pela destinação orçamentária. Em 2012, apenas 5% dos recursos do FUNPEN foram gastos com a implantação das penas alternativas, enquanto o restante foi destinado à construção de vagas no sistema penitenciário. É preciso caminhar com o anteprojeto de lei que cria o Sistema Nacional de Alternativas Penais, estabelecendo as responsabilidades e contrapartidas da União, estados e municípios nessa política e, para isso, o órgão gestor das Alternativas Penais no Ministério da Justiça precisa ser fortalecido.
Paralelamente, é necessário que o Estado retome o controle das prisões. Medidas como a garantia das condições carcerárias essenciais para o digno tratamento das pessoas presas, a aplicação de protocolos básicos de gestão, a qualificação do corpo técnico e de segurança, a implementação dos regimes aberto e semiaberto e o incentivo a programas de atendimento a egressos do sistema penitenciário, seguramente contribuirão para a superação dos problemas em nosso sistema prisional.
Essa é uma pauta dura e apenas uma liderança forte será capaz de liderar a discussão de que o aprisionamento em massa não é a solução para a redução da violência e da criminalidade. Ao olharmos o sistema como um todo conseguiremos construir um modelo adequado à nossa realidade, resolvendo não só o problema carcerário mas de todo o tratamento dado à quem comete crimes no Brasil.
QUEM SÃO…
Ivan Marques é diretor executivo do Instituto Sou da Paz e Carolina Ricardo é analista sênior do Instituto Sou da Paz