“Surpreende ainda mais que alteração de tal relevância possa ser gestada sem debate público amplo, profundo e em contínua consulta aos policiais que conduzem as polícias paulistas”, diz Sou da Paz
Circula na imprensa desde ontem, 12 de abril, a notícia que o governador recém-empossado, Márcio França, estuda retirar a Polícia Civil da estrutura da Secretaria da Segurança Pública para alocá-la sob a gestão da Secretaria da Justiça. Dessa forma, cindiríamos as forças policiais do estado em duas direções distintas, separando ainda mais um trabalho que deveria ser integrado e complementar.
Caso se confirme o plano do governador, observaríamos no estado de São Paulo um arranjo institucional para a Segurança Pública absolutamente atípico e não testado. Pior, o plano carrega vícios incorrigíveis em sua concepção e joga fora o esforço de anos, tanto das corporações policiais, dos governos anteriores e da sociedade civil na construção de uma política de segurança pública integrada e com comando único.
Entre os pesquisadores e profissionais da segurança pública é corrente a reflexão sobre o modelo policial brasileiro, chamado de ciclo incompleto, em que uma polícia, militar, se ocupa da preservação da lei e da ordem pública, de forma ostensiva e preventiva, e outra polícia, civil, é responsável pelas atividades de polícia judiciária e de investigação criminal. Trata-se de modelo peculiar, objeto de amplo debate técnico.
Independentemente da avaliação que se tenha sobre este modelo, há um consenso absoluto entre os operadores da segurança pública: as polícias devem trabalhar de forma integrada e coordenada. O estado de São Paulo é pioneiro na busca pela gestão integrada da atividade policial e é absolutamente preocupante imaginar uma segregação administrativa como a sugerida pelas movimentações recentes.
Cabe lembrar que neste momento de profunda crise da segurança pública nacional, o estado de São Paulo, ainda que continue a enfrentar enormes desafios, apresenta incontestavelmente os melhores indicadores criminais do país. Experimentamos uma redução de homicídios que representa um paradigma internacional em termos de queda no número de mortes violentas. Hoje pode-se celebrar uma taxa de pouco mais de 7 homicídios por 100 mil habitantes registrada em 2017. Adicionalmente, verificamos uma redução expressiva na taxa de roubos de veículos no estado. Ainda que se dispute as múltiplas causas por trás destes números, é incontestável a melhoria sem paralelo que São Paulo apresenta no combate aos crimes violentos.
Nesse sentido, manifestamos nossa profunda consternação e preocupação com a possibilidade de que interesses políticos e corporativos possam apartar a gestão das polícias paulistas, ampliando os já relevantes desafios para uma atividade policial integrada e coordenada. Não é possível imaginar que a atividade investigatória possa ocorrer segregada da estrutura administrativa da segurança pública. A própria Constituição Paulista, em seu art. 139, determina que “a polícia do Estado” seja integrada pela Polícia Militar e pela Polícia Civil.
Ainda que como proposta em estudo, surpreende ainda mais que alteração de tal relevância possa ser gestada sem debate público amplo, profundo e em contínua consulta aos policiais que conduzem as polícias paulistas. O tempo em que essa mudança é proposta, a oito meses de um fim de mandato que acaba de começar, também causa espanto. A pergunta que deve ser respondida pelos arquitetos dessa medida é: a quem serve esse tipo de alteração no comando das polícias paulistas?
Esperamos que a alteração veiculada pelos jornais nunca se produza. A evolução da segurança pública em São Paulo é uma conquista da população, embora ainda tenhamos desafios imensos para atingir a qualidade de vida e o estágio de paz social que ambicionamos em nosso estado. É dever de todo agente político proteger e zelar pela atuação integrada, harmoniosa da Polícia Militar e da Polícia Civil do Estado de São Paulo, e sedimentada no respeito aos direitos humanos.