Aumentar a resolução desse tipo de crime é essencial para prover justiça para cada família e para retomar a confiança pública nas instituições
Artigo escrito por Carolina Ricardo, diretora-executiva, e Beatriz Graeff, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, sobre o sétimo relatório da pesquisa “Onde Mora a Impunidade?”, publicado no Estadão (clique para acessar texto original)
Fazer frente ao crime organizado demanda um trabalho profundo de investigação e inteligência policial, e o esclarecimento dos crimes de homicídio é uma parte importante desse quebra-cabeça. O relatório Onde Mora a Impunidade, do Instituto Sou da Paz, mostra a fragilidade desse cenário ao identificar que apenas 39% dos homicídios no País são esclarecidos, taxa que se manteve sem avanço nos últimos sete anos. Aumentar o esclarecimento desse tipo de crime é essencial para prover justiça para cada família e para retomar a confiança pública nas instituições, além de ser ferramenta essencial para desvelar as redes de contatos, de ação e de influência do crime organizado.
A violência letal é uma importante ferramenta de sustentação da cadeia do crime organizado. Enquanto parte dessa rede se dedica ao colarinho branco e a atividades como lavagem de dinheiro, outra parte se dedica a disputas territoriais que envolvem o uso da violência letal para impor e manter sua dominação sobre as comunidades onde se instalam, contra outras facções, contra o Estado e na hierarquia interna da sua própria organização. Dois crimes que atraíram muita atenção da opinião pública ilustram como o esclarecimento de homicídios pode desvelar tramas estratégicas e apontam desafios importantes colocados à segurança pública.
A investigação do assassinato de três médicos num quiosque na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, levou à descoberta de participantes envolvidos em outros nove homicídios ocorridos em 2023, relacionados à disputa entre traficantes e milicianos por territórios na região de Jacarepaguá. Como resultado, 23 membros do Comando Vermelho (CV) foram indiciados, tanto pela execução dos crimes como também lideranças da facção apontadas como mandantes.
Em São Paulo, a investigação do assassinato do delator Vinicius Gritzbach no aeroporto de Guarulhos, em novembro de 2024, revelou a participação de policiais na execução e trouxe à tona um esquema de proteção a membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) que envolvia mais de uma dezena de policiais civis e militares ligados a grupos especiais. É digno de nota que o próprio Gritzbach tornara-se colaborador do Ministério Público ao optar pela delação premiada no curso da investigação que o apontava como mandante das mortes de dois membros da organização criminosa paulista.
Os homicídios viabilizam parte essencial das atividades do crime organizado, geram ciclos de impunidade, de vingança e de perda de confiança nas instituições públicas. Para melhorar o esclarecimento desses crimes e a devida responsabilização de seus autores, é preciso que esta seja reconhecida como uma atividade estratégica e prioritária por todas as instituições do sistema de justiça criminal: polícias, Ministério Público, Judiciário e sistema prisional.
Os crimes mencionados acima dificilmente teriam os desdobramentos que tiveram se não tivessem ultrapassado as fronteiras que acendem os holofotes da imprensa, saindo das regiões periféricas da cidade, em que a investigação das mortes violentas recebe ainda menos investimento das autoridades. A baixa capacidade em oferecer respostas às mortes violentas está relacionada à persistente priorização de políticas de segurança pública que privilegiam a visibilidade e a pronta resposta, não raro transformando a atuação policial em espetáculo público, em detrimento dos resultados de longo prazo e alto impacto das investigações de maior fôlego.