Propostas como o prazo de reavaliação de Aptidão Técnica e Psicológica e a anistia de armas, que podem estimular o desvio de armas para a ilegalidade, precisam ser reavaliadas
O Instituto Sou da Paz analisou, em nota técnica, as mudanças propostas para a legislação de controle de armas, mais popularmente conhecida como Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), pelo Projeto de Lei (PL) nº 9.433/2017, aprovadas ano passado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados. O documento compara a versão original com a final aprovada e revela que, apesar de haver avanços em relação às propostas sugeridas inicialmente, o texto ainda precisa de melhorias significativas. Entre os principais pontos essenciais examinados estão:
A autorização de posse e porte de armas: a redação final aprovada amplia as restrições de posse e porte, diferentemente da proposta inicial feita no substitutivo que limitava as restrições apenas para condenados por crimes dolosos e contra a vida. Apesar de incluir avanços, como restrições para investigados por crimes dolosos graves, crimes contra o patrimônio com violência e casos regidos pela Lei Maria da Penha, a redação final manteve a dispensa da declaração de necessidade, o que compromete o controle preventivo das autoridades e pode facilitar acessos.
Reavaliação de Aptidão Técnica e Psicológica: embora inicialmente o PL propusesse aumentar o prazo dos exames de aptidão de três para dez anos, a redação final reduziu esse período para cinco anos como alternativa intermediária. No entanto, essa extensão ainda representa riscos, já que condições psicológicas e psiquiátricas podem mudar rapidamente. Estudos indicam que detecções tardias podem comprometer a segurança pública, e o Conselho Federal de Psicologia recomenda um prazo de validade de dois anos para esses exames. Assim, seria mais vantajoso manter o prazo atual de três anos ou adotar intervalos menores para indivíduos em situações de maior risco ou que possuam mais de uma arma.
Porte de armas de fogo e em áreas rurais: houve uma tentativa de alteração no artigo 6º do Estatuto do Desarmamento que sugeria permitir o porte de armas de fogo por meio de apenas uma licença prévia. O porte deixaria de ser permitido somente em casos específicos. O texto original também propôs alterar a previsão do porte de armas para residentes, trabalhadores e pesquisadores em áreas rurais, sugerindo apenas ser necessário que a arma seja longa, sem precisar relatar o calibre ou capacidade. Deixar de exigir a demonstração da real necessidade do porte, por meio de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física, também foi sugerido. Nenhuma das propostas de alterações foram incluídas na redação final, mas segue sendo essencial o monitoramento da implementação para não serem feitas futuras flexibilizações, visto que a legislação atual busca promover à redução da circulação de armas na sociedade.
Doação e anistia de armas: a primeira versão previa uma nova redação para artigo 30º do Estatuto, essa alteração permitiria a regularização de armas quase sem restrições. Não seria necessário comprovar habilidade técnica ou psicológica e nem a comprovação de não estar sendo investigado ou processado por crimes. Além disso, policiais civis poderiam emitir registros provisórios de armas. No entanto, ao contrário da primeira versão, o texto final para o artigo limita a anistia (prazo para regularizar) para um ano, e torna necessário as comprovações técnicas, psicológicas e de não envolvimento em investigações criminosas. Registros provisórios só poderiam ser emitidos por órgãos federais competentes.
Os efeitos dessa medida podem sair ao contrário do esperado, pois pode incentivar ainda mais o comércio ilegal de armas. A medida possibilitaria a regularização de armas ilegais no futuro, facilitando que contrabandistas tragam mais armas para o país, esperando que elas sejam legalizadas posteriormente. Dessa forma, a procura por armas no mercado ilegal pode aumentar, fortalecendo o tráfico e o contrabando.
Um dos objetivos principais do controle de armas deve ser evitar que armas legais acabem sendo desviadas para ilegalidade, utilizadas em crimes ou que prejudiquem a sociedade. É preciso que o Estado garanta a segurança da população, porém o enfraquecimento das regras de controle dificulta o trabalho das forças de segurança.