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    NOTÍCIAS

    Nexo | Como o policialismo virou uma força na política brasileira 

    20 de outubro de 2024 às 11:53

    Crescente participação de PMs, policiais civis e integrantes das Forças Armadas se consolidou no cenário eleitoral e teve recorde em 2024. Pesquisadores avaliam tendência

    Reportagem publicada pelo Nexo (clique aqui para acessar texto original) sobre a pesquisa, “Eleições 2024: Panorama Das Candidaturas Das Forças De Segurança” do Instituto Sou da Paz

    O primeiro turno das eleições municipais de 2024 teve o maior número de prefeitos eleitos oriundos das forças de segurança na história brasileira recente: foram 52 candidatos, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz. 

    A organização, que mapeia os dados de 2012, mostra que foram eleitos 856 agentes de segurança para prefeituras e câmaras municipais, o maior número da série histórica, o que consolida o policialismo na política brasileira. 

    Neste texto, o Nexo elenca os principais achados do levantamento e explica o fenômeno na política brasileira. 

    Panorama de 2024

    De acordo com o estudo do Instituto Sou da Paz, em termos proporcionais, 1,5% dos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador no Brasil nas eleições municipais de 2024 é oriundo de forças de segurança, como Polícia Militar, Polícia Civil ou Forças Armadas. 

    O estado com o maior número de candidatos de forças de segurança é o Rio de Janeiro, com 3,48%, o dobro da média nacional. Segundo o estudo, a forte presença das forças de segurança no estado e a influência histórica desse grupo no cenário político local, com o fenômeno da milicianização, explicam essa média acima da registrada nacionalmente. 

    A maioria (43,59%) dos candidatos é formada por policiais militares na faixa dos 50 anos de idade, casados, e de partidos como o PL, Republicanos, União Brasil, MDB e Progressistas. Mulheres que pertencem às forças de segurança foram 8% dos candidatos. 

    Alguns eleitos ou na disputa 

    GENERAL JOAQUIM SILVA E LUNA (PL) 

    Diretor geral da hidrelétrica de Itaipu entre 2019 e 2021 e diretor da Petrobras de abril de 2022 a março de 2022 no governo do ex-presidente Bolsonaro, o general da reserva Silva e Luna foi eleito prefeito de Foz do Iguaçu (PR) em 2024 no primeiro turno. Ele obteve 50,14% dos votos válidos.  Foi a primeira vez que Silva e Luna concorreu em uma eleição, e vai comandar a cidade que é um dos principais destinos turísticos do país. Na campanha teve apoio de Bolsonaro e do governador Ratinho Jr. (PSD). 

    SARGENTO NANTES  (PP)

    Quarto vereador mais votado da cidade de São Paulo, o policial militar Israel Nantes dos Santos foi eleito com pouco mais de 112 mil votos. Nantes ingressou na Polícia Militar do estado em 2003 e era um dos integrantes da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Também integra o grupo de policiais influencers que fazem sucesso nas redes sociais: tem 613 mil seguidores no Instagram e 263 mil no TikTok. Ao jornal Folha de S. Paulo, disse que a motivação para ser vereador foi perceber o quanto a política influencia no serviço policial. 

    CORONEL BETINA WORM (PL)

    A tenente-coronel Betina Worm é vice da chapa de Sebastião Melo (PL) para a prefeitura de Porto Alegre, que vai disputar o segundo turno no dia 27 com a petista Maria do Rosário. É a estreia da militar na política – ela está licenciada das Forças Armadas para concorrer. O nome do Worm foi uma indicação do partido de Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto para compor a chapa. Em entrevista ao jornal Correio do Povo, Worm disse que é “competente na gestão em geral” e na aplicação de recursos públicos. 

    DELEGADO ÉDER MAURO (PL)

    O deputado federal disputa o segundo turno da prefeitura de Belém (PA). Na Câmara dos Deputados, Mauro foi eleito com uma pauta anti ambiental e com um tom “justiceiro” em sua atuação como delegado. Para a prefeitura, seu slogan é “enfrentar o barbalhismo” na capital paraense, em alusão à hegemonia da família Barbalho na cidade e no estado. Mauro está atrás na disputa: aparece com 35,5% das intenções de voto contra 56% de Igor Normando (MDB). Os números são da pesquisa Futura Inteligência, divulgada na quarta-feira (16), registrada no TSE sob o protocolo PA-09863/2024.  

    Variações entre as forças

    Em relação a eleição de 2020, o número de PMs candidatos caiu: no pleito anterior, eles representavam 80% dos candidatos das forças de segurança. Em 2024, aumentou a participação de policiais civis, bombeiros militares e membros das forças armadas. 

    Do total de 856 eleitos das forças de segurança, 759 foram vereadores, 42 prefeitos e 45 vice-prefeitos, o maior da série histórica mapeada pelo Sou da Paz. Cresceu o número de prefeitos, o que sinaliza, de acordo com o instituto, maior articulação e organização em torno dessas candidaturas. 

    SÉRIE HISTÓRICA 

    A estabilização do percentual de candidaturas e do número de eleitos nos últimos quatro pleitos municipais mostra, segundo as análises do instituto, a consolidação do policialismo na política brasileira, que é explicada pelos problemas graves de segurança e pela sensação de insegurança da população, afirmou ao Nexo a diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo. 

    “No imaginário público, quem responde aos problemas de segurança é a polícia. A eleição dessas figuras é uma resposta, um desejo por mais segurança, que vê a polícia como a única possibilidade de se promover segurança, que é muito da herança da forma como a gente tem feito segurança pública no Brasil, sem políticas mais amplas e de prevenção”, disse Ricardo. 

    O policialismo na política 

    O policialismo foi um termo cunhado pelo Sou da Paz em 2021 para nomear a notável expansão de policiais militares, policiais civis e membros das Forças Armadas na política brasileira na última década. O crescimento mais expressivo foi na Câmara dos Deputados: um aumento de 950%. 

    4 deputados  federais das forças de segurança eleitos em 2010

    42 deputados  federais das forças de segurança eleitos em 2018

    A eleição presidencial de 2018, com o capitão reformado Jair Bolsonaro (PL) na presidência e o general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos) como vice-presidente, diz o Sou da Paz, reinstalou o poder militar no Executivo federal em patamares não vistos desde a redemocratização do país.  

    Levantamento do Tribunal de Contas da União de 2020 constatou que o governo teve mais de 6.000 militares em cargos, muitos deles chave dentro da máquina pública.

    Captura da pauta de segurança pública e atenção especial para pautas corporativistas que atendam aos interesses dos policiais, militares e seus familiares são algumas das consequências dessa inserção na política. 

    “Não queremos nos contrapor ao direito de os policiais de se candidatarem. Eles são profissionais e têm esse direito. Mas é preciso diminuir o risco do uso político das instituições policiais. O que vemos nessas candidaturas é muito conflito de interesse. Por isso, é preciso regular melhor essa participação eleitoral”, afirmou Ricardo. 

    Os efeitos locais 

    A eleição de vereadores com uma narrativa beligerante, cujo discurso é voltado para a ideia de “lei e ordem” ou “bandido bom é bandido morto”, tem como efeito causal o aumento na taxa de homicídios, disse ao Nexo o economista Lucas Martins Novaes, doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia e professor associado do Insper. 

    No estudo “A violência da política de lei e ordem: o caso dos candidatos da aplicação da lei no Brasil”, Novaes constatou esse aumento com análise de dados no estado de São Paulo. 

    “Esse candidato  não é só um político, ele faz parte da polícia, que é uma organização muito fechada para a sociedade em geral. Uma vez que ele ganha, tem um ativo que nenhum outro tem: pode influenciar a corporação de origem deles”, afirmou ao Nexo. 

    Ao serem eleitos com a bandeira de segurança, esses vereadores, prefeitos e vice-prefeitos se deparam com recursos fixos para a segurança. “Mas eles podem rearranjar para as regiões da cidade que os apoiaram, em geral, a parte mais rica do município. E aí ele tira recursos de áreas que não o apoiaram, que são mais pobres e onde há mais risco de violência”. 

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