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    NOTÍCIAS

    Entidades da sociedade civil manifestam preocupação com o edital da PMESP que precariza o programa de câmeras corporais

    23 de maio de 2024 às 04:21

    O projeto de câmeras corporais acopladas ao fardamento dos policiais, implementado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) em 2020, representou um passo importante na profissionalização da corporação ao ampliar a transparência, proteger o policial de falsas denúncias, produzir provas para o sistema de justiça e reduzir os níveis de uso da força letal. Parte do sucesso alcançado pelo Programa Olho Vivo se deve ao trabalho minucioso da equipe da própria corporação, originalmente responsável pelos estudos e pela implementação da proposta.

    Diante disso, chamamos a atenção para o edital de licitação 15/2024, divulgado pela PMESP em 22 de maio de 2024, visando a substituição das câmeras corporais atualmente em operação. Sob o discurso da ampliação e integração dos equipamentos a outras plataformas operacionais, o edital altera radicalmente o bem-sucedido programa iniciado quatro anos atrás.

    Uma série de estudos atestam os bons resultados auferidos pelo projeto. Relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública identificou queda de 62,7% na letalidade policial, entre 2019 e 2022, com maior ênfase nas regiões onde as câmeras estavam em uso. Análise realizada pelo CCAS/FGV apontou que as câmeras foram responsáveis diretamente por 57% de redução no número de mortes decorrentes de intervenção policial e queda de 63% nas lesões corporais causadas por policiais militares. Estudo do Instituto Sou da Paz revelou ainda que os casos de mortes de jovens (entre 15 e 24 anos) caíram 46% após a implementação das câmeras.

    Já está comprovado que as câmeras oferecem proteção jurídica e, principalmente, proteção física aos policiais. As gravações tendem a apaziguar os ânimos durante as abordagens, o que diminui os casos de agressão contra os agentes, e ainda servem como evidências contra acusações injustas, trazendo segurança para a corporação como um todo. Mais importante que isso, o uso das câmeras reduziu drasticamente o número de policiais mortos em serviço, de 18 vítimas policiais em 2020, para 4, em 2021, e 6, em 2022, os menores números da série histórica.

    Além da redução das mortes, as câmeras também tiveram impacto em outras ocorrências, sobretudo em casos de violência doméstica – notificações no sistema interno da PMESP tiveram aumento de 102% nos registros no período. O êxito da política de câmeras em São Paulo angariou apoio massivo da sociedade, comprovado por pesquisas que mostram apoio de até 88% da população. O Programa Olho Vivo também serviu de exemplo para diversos estados, que passaram a investir em projetos semelhantes como forma de gerar maior controle e transparência da ação policial.

    Dentre os principais pontos de alteração, destacamos preocupação com o fim das gravações ininterruptas (vídeo de rotina), o tempo de armazenamento dessas imagens para uso da polícia judiciária e do próprio sistema de justiça criminal e, principalmente, os requisitos para as empresas participarem do processo licitatório. 

    Ao extinguir a funcionalidade de gravação ininterrupta, a PMESP deixa a cargo dos próprios policiais a escolha sobre o acionamento das câmeras, o que pode diminuir os efeitos positivos do programa. Diferentes estudos realizados no Brasil e no exterior indicam que, em média, os policiais não acionam a câmera corporal em 70% das ocorrências atendidas. A medida contraria o próprio posicionamento da corporação, que afirmou ao Supremo Tribunal Federal que o processo de contratação de novas câmeras corporais manteria a gravação ininterrupta (vídeo de rotina e vídeo intencional) e a recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

    A nova licitação reduz o tempo de armazenamento dos vídeos intencionais de 365 para 30 dias, uma alteração que pode impactar o uso das imagens captadas como provas na investigação policial, bem como comprometer a utilização das evidências em processos judiciais pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pelo Tribunal de Justiça.

    Os requisitos para habilitação técnica das empresas, especialmente quando comparado com os editais de 2020 e 2021, também não estão claros. O edital divulgado nesta semana prevê a contratação de 12 mil câmeras corporais, mas exige que, para participar do certame, as empresas devam comprovar a capacidade de fornecimento de apenas 500 “câmeras de vídeo”, apenas 4% do total de equipamentos a serem contratados. Em 2020, exigiu-se das empresas concorrentes a comprovação de capacidade técnica de fornecimento de, no mínimo, 50% do objeto licitado, evitando que empresas sem estrutura ganhassem o certame e fornecessem serviço inadequado ao Estado conforme previsão da Súmula nº 24 do TCESP

    Em nota à imprensa, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo justifica que as mudanças previstas promoverão redução do custo geral do programa. Uma análise mais ampla do impacto do projeto indica, no entanto, que tal justificativa não se sustenta. Os contratos vigentes para o uso das câmeras corporais totalizaram R$96.384.135,00 em 2023, o que representa apenas 0,7% do total de gastos empenhado pela PMESP e 0,47% do orçamento das polícias do estado, segundo dados da Plataforma JUSTA. O custo anual da PMESP de R$9.519,42 por câmera é menor, por exemplo, do que os R$11.154,30 pagos pela Royal Canadian Mounted Police.

    Se a preocupação é com custos, a licitação da PMESP poderia suprimir funcionalidades não prioritárias das câmeras, como a transmissão de dados em tempo real e o processamento de vídeo para reconhecimento facial, dois acréscimos cujos benefícios não são respaldados por evidências empíricas.

    Com o vencimento dos atuais contratos já a partir de 1º de junho, e sem qualquer sinalização de aditamento por parte do Estado, estamos diante do risco de descontinuidade de um projeto que nasceu dentro da PMESP e que obteve resultados expressivos ao longo dos anos. 

    Melhorias tecnológicas e economia de recursos públicos são essenciais para aprimorar as políticas públicas de segurança. Ao prever câmeras que apenas podem ser acionadas após uma decisão discricionária do policial (ainda que remotamente pelo gestor), que não gravam ininterruptamente e ainda incorporam outras funcionalidades como leituras de placas veiculares e identificação de pessoas, a PMESP gera desconfianças sobre a manutenção do programa. No final das contas, o Programa Olho Vivo deve se transformar em uma ferramenta operacional e de vigilância que poderá, inclusive, acabar sendo utilizada contra os interesses do próprio cidadão paulistano.

    Fórum Brasileiro de Segurança Pública

    Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP)

    Instituto Sou da Paz

    Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (GENI/UFF)

    Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)

    Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas

    Instituto Fogo Cruzado

    Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio

    Instituto Igarapé

    Instituto Mundo Aflora

    Instituto Vladimir Herzog

    Conectas Direitos Humanos

    Comissão Arns

    Plataforma Brasileira de Política de Drogas

    Plataforma Justa

    Movimento Mães de Maio
    Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP)

    Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)

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