Para conter a violência letal, é necessário investir na investigação e em políticas efetivas de prevenção
Artigo escrito pela diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, publicado pelo O Globo (clique para acessar o texto original)
O Rio de Janeiro teve um dos piores desempenhos na taxa de esclarecimento de homicídios entre os estados analisados no estudo “Onde mora a impunidade?”, elaborado pelo Instituto Sou da Paz e lançado anualmente desde 2017, com o objetivo de contribuir para a construção de um indicador nacional. Mas, assim como noutros estados brasileiros, existe uma tendência de melhora gradativa nos últimos anos no estado fluminense: em 2020, a Polícia Civil elucidou 21% dos homicídios e, no ano seguinte, essa taxa chegou a 23%. O pior indicador ocorreu em 2017, quando apenas 11% foram investigados e esclarecidos. A média nacional é de 35%, a partir de cálculo feito com base em dados enviados pelos ministérios públicos e tribunais de justiça das 27 unidades da Federação.
É preocupante também que o Rio tenha deixado de publicar, no site do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), dados sobre esclarecimentos de homicídios, como fez até 2022. A falta de informações dificulta o desenho de políticas públicas para prevenir crimes contra a vida. Em 2020 e 2021, ocorreram 6.797 homicídios no Rio de Janeiro, e apenas 1.491 foram esclarecidos.
A falta de resolução e responsabilização causa, ainda, uma sensação de desconfiança no sistema de Justiça e segurança pública. É nessas brechas que se instalam comportamentos de justiçamento, como ocorreu em Copacabana recentemente. Com a justificativa de substituir as falhas das forças de segurança, parte da população se propôs a “fazer justiça com as próprias mãos”, o que, além de não funcionar no combate à violência, dá espaço à expressão de ódio de classe e de raça, turbinando a violência.
O estudo do Sou da Paz demonstra também que o Paraná registrou a maior proporção de resolução do Brasil, com 78% dos casos esclarecidos em 2020, e 76% em 2021. Na outra ponta, está o Rio Grande do Norte, com apenas 8% dos casos solucionados em 2020 e 9% em 2021.
A impunidade no país mora na falta de esclarecimento dos crimes contra a vida e na banalização da existência de um perfil determinado de brasileiros vitimados: pobres, jovens e negros. Os dados nacionais sobre o perfil das vítimas no universo de homicídios esclarecidos também são precários. Isso reforça a necessidade de um levantamento do contexto brasileiro unificado, capaz de expressar como a resposta do Estado à violência letal impacta a população de forma diversa.
Para conter a violência letal, é necessário investir na investigação de homicídios e em políticas efetivas de prevenção e repressão qualificadas. Por fim, é preciso cobrar uma atuação coordenada entre Ministério Público e Judiciário, tanto para o andamento da ação penal quanto para a gestão das informações sobre esses crimes. Não se pode enfrentar a violência se não se conhecem sua dinâmica, suas vítimas, as falhas na sua prevenção e seus autores.