Prejuízo causado por informações equivocadas, matérias sensacionalistas e policialescas, entrevistas que desconsideram contextos de forte emoção e de vulnerabilidade, pode ser tão extenso quanto a própria violência retratada
Artigo escrito pela diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, publicado pelo Nexo, (clique para acessar o texto original)
Repórteres e editores precisam lidar com casos de violência quase todos os dias. E com um dilema adicional: são situações sempre tristes, que se não forem tratadas com cuidado podem causar mais danos à sociedade sem contribuir para resolver os problemas.
A cobertura jornalística de segurança pública é sempre complexa. Envolve dimensões que ultrapassam a descrição do fato. As equipes precisam lidar com o medo e a comoção social, com a necessidade de atrair audiência e não se tornar sensacionalista, com a dor das famílias que vivenciam a violência de maneira muito próxima e com os interesses políticos em torno dessa agenda.
Mas há caminhos para garantir uma apuração profunda e responsável, que entregue ao público uma visão integral da situação, demonstre as falhas e aponte as políticas públicas necessárias para sanar violações recorrentes. O jornalismo é essencial desde a denúncia e a contextualização do fato, até a investigação e responsabilização.
REPÓRTERES E EDITORES PRECISAM LIDAR COM CASOS DE VIOLÊNCIA QUASE TODOS OS DIAS. E COM UM DILEMA ADICIONAL
A notícia deve ser palatável ao leitor, ouvinte ou telespectador, ao mesmo tempo em que precisa demonstrar a profundidade dos problemas relacionados à situação que aborda, contribuir com o debate público na busca de soluções e contar histórias de forma delicada sobre quem lida com uma rotina atravessada diariamente pela violência. Em suma, uma reportagem de qualidade na área de segurança pública deve conter a denúncia, sensibilizar o público sem apelar, demonstrar o cenário, comprometer responsáveis e indicar saídas.
Para isso, é preciso saber entrevistar as pessoas com o cuidado de não revitimizar, é necessário apresentar dados, pesquisas, legislação e comparar com outros locais e casos bem-sucedidos, além de consultar especialistas e lideranças de movimentos e organizações sociais.
O Instituto Sou da Paz vem trabalhando para qualificar o debate público em torno da segurança pública. E, em parceria com o Fogo Cruzado, o Fiquem Sabendo e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), lançou recentemente um guia para dar apoio aos jornalistas nessa cobertura. Ele traz reflexões e ensina o passo a passo para obter informações que nem sempre são fáceis de acessar. O “Segurança pública em dados – guia prático para jornalistas” explica como conseguir, analisar e cruzar estatísticas sobre segurança pública.
A publicação também mostra meios para compreender microdados e gerar informações que não seriam visíveis facilmente ao público em geral. São registros administrativos como Boletins de Ocorrência, inquéritos policiais, denúncias do Ministério Público, processos judiciais e bases de dados sobre saúde e mortalidade.
A análise dessas informações pode fornecer subsídios a reflexões que permitam, por exemplo, avaliar a eficácia de políticas públicas de segurança, identificar padrões criminais e planejar estratégias de prevenção e combate à criminalidade. São aspectos caros à sociedade e fundamentais à democracia.
Outro meio importante de obter dados para compor uma reportagem de qualidade sobre segurança pública é a Lei de Acesso à Informação. A utilização dessa ferramenta, no entanto, demanda conhecimento sobre quais são as perguntas certas para conseguir as melhores respostas do poder público.
O prejuízo causado por informações equivocadas, matérias sensacionalistas e policialescas, entrevistas que desconsideram contextos de forte emoção e de vulnerabilidade, pode ser tão extenso quanto a própria violência retratada. Uma cobertura ruim é capaz de fomentar o ódio, o revanchismo e o justiçamento. Por isso, é responsabilidade de todos nós, fontes, jornalistas e autoridades, zelar pelo cuidado nesse tipo de pauta. Por outro lado, uma reportagem cuidadosa e bem-feita pode transformar destinos – e contribuir para garantir o direito à vida.