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    MATÉRIAS

    O perigo das armas

    Artigo veiculado no O Globo em 09 de abril de 2015.

    POR IVAN MARQUES / ROBERT MUGGAH

    Estatuto foi a primeira lei a estabelecer uma política nacional de controle

    O episódio chocou o país em abril de 2011: Wellington de Oliveira invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, munido de dois revólveres (calibres 32 e 38). Dos mais de 50 disparos, o jovem matou 12 adolescentes e feriu outros 12, antes de se matar. A investigação concluiu que o agressor sofria de distúrbios mentais. Se é impossível prever ou mesmo impedir que outra pessoa em condições semelhantes tenha um impulso letal como esse, temos a obrigação de evitar que armas cheguem em mãos erradas.

    Olhar para os dois revólveres usados por Wellington ajuda a compreender o problema da violência armada. Ambos eram de calibre permitido (acessíveis a civis e empresas de segurança privada) e uma das armas, de fabricação nacional, fora roubada na década de 90. Já a outra arma, por causa da numeração suprimida, não pôde ser rastreada.

    O perfil das armas que ameaçam os brasileiros e nos mantêm com a vergonhosa marca de 50 mil homicídios por ano permanece. Segundo balanço da polícia do Rio divulgado pelo GLOBO, os revólveres continuam sendo quase metade de todas as armas apreendidas no crime. O Brasil é o segundo maior exportador desse tipo de armas no hemisfério.

    Em São Paulo, pesquisa do Instituto Sou da Paz mostra que oito em cada dez armas apreendidas são nacionais. O Ministério Público, parceiro na pesquisa, rastreou todas as armas envolvidas em roubos e homicídios com numeração preservada (aproximadamente uma em cada duas, como em Realengo) e comprovou que cerca de 40% tinham registro prévio. Ou seja, foram fabricadas e comercializadas legalmente, mas acabaram com criminosos.

    Esperamos que a lembrança do massacre de Realengo sirva para cobrar maior controle do acesso às armas, já que no Brasil esse é o instrumento escolhido em aproximadamente 70% dos homicídios (a média mundial é de 42%). No entanto, a depender dos parlamentares financiados pela indústria de armas, o Estatuto do Desarmamento será revogado. O estatuto foi a primeira lei a estabelecer uma política nacional de controle de armas, definindo regras para a produção, registro e destruição. Ao melhor regular a posse e proibir o porte para civis, obteve a primeira redução de homicídios do país em 13 anos.

    A despeito das evidências, alguns políticos querem substituir o estatuto por uma lei que facilite o acesso a armas e munição e torne ainda mais difícil seu controle. Se aprovado, civis poderão possuir até nove armas, adquirir cerca de 5.400 munições por ano e andar armados pelas ruas. Como se o absurdo já não bastasse, também acabará a necessidade de renovação do registro. Uma vez concedido, nunca mais o cidadão terá que comprovar se mantém a arma consigo, se tem antecedentes criminais ou mesmo se está em condições (psicológicas e técnicas) de manuseá-la. Revogar o Estatuto do Desarmamento é não só um desrespeito às vítimas de Realengo e seus familiares, como também um convite a novas tragédias.

    Ivan Marques é diretor executivo do Instituto Sou da Paz e Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé

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