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    MATÉRIAS

    Número de mortos pela PM em SP no 1º trimestre é o maior em 12 anos

    Matéria veiculada no G1 em 04 de maio de 2015.

    Em 90 dias, foram 185 mortes, maior índice desde 2003. Secretaria de Segurança diz que PMs seguem leis e exceções são apuradas.

    O estado de São Paulo registrou, nos três primeiros meses deste ano, 185 mortos em confrontos com policiais militares em serviço, uma média de 2,05 pessoas mortas por dia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. É o maior número de mortos no 1º trimestre dos últimos 12 anos.

    No site da Secretaria Estadual de Segurança Pública há dados trimestrais desde 1995. O ano de 2003 foi um ponto fora da curva, com um ápice nos três primeiros meses do ano: houve 196 mortos. Aquele ano fechou com uma média de 2,17 mortos por dia.

    Com exceção de 2003, a letalidade de 2015 neste 1º trimestre supera a série histórica de mortes em confrontos com a PM (veja o gráfico). Neste mesmo período, 4 policiais foram mortos e outros 43 ficaram feridos no trabalho.

    O G1 questionou a PM sobre os dados do trimestre e, até a publicação desta reportagem, não obteve retorno.

    Questionada sobre o aumento da letalidade registrada nos dois primeiros meses deste ano, a Secretaria de Segurança Pública havia dito em comunicado que “a atuação da polícia de São Paulo se dá estritamente dentro dos limites da lei. As exceções são apuradas com rigor e terminam com a punição dos policiais acusados de crimes. Em 2014, 128 policiais militares foram demitidos e 177, expulsos. No caso da Polícia Civil, 55 agentes foram expulsos e 17, demitidos. A SSP tem trabalhado para reduzir os índices de letalidade”.

    No 1º trimestre do ano passado, foram registradas 157 mortes em confronto da PM: uma média de 1,74 mortes/dia. Em 2013, a média de mortes por dia no período analisado foi de 0,74 e em 2012, 1,24.

    “No ano passado, o número de mortos por policiais em serviço foi altíssimo, chegou a 700, e isso continua em uma escalada. São várias as causas, desde a impunidade até a cultura de ver o confronto com criminosos como uma guerra”, afirma o ouvidor das polícias, Julio Cesar Neves.

    Leia abaixo uma discussão com especialistas sobre causas e soluções para a questão.

    Mais mortos do que feridos Os dados também mostram que, no 1º trimestre deste ano, o número de suspeitos mortos (185) é superior ao de feridos (105).

    Em um artigo de 2011 que considera que se aplica à situação atual, o jurista Luiz Flávio Gomes, em conjunto com a pesquisadora Adriana Loche, diz que “se a polícia mata mais do que fere, isto nos sugere que não são considerados os princípios de razoabilidade e de necessidade da ação. Mesmo em um caso de resistência armada, por parte de delinquentes, cabe à polícia eliminar a resistência e não quem resiste”.

    “O maior número de civis mortos em relação ao número de civis feridos é um fato preocupante. Os dados sugerem que há um incentivo – ou uma permissão – de uma postura mais agressiva da polícia no patrulhamento ostensivo, o que inevitavelmente aumenta o risco de abusos por parte dos policiais contra os cidadãos”, afirmam eles.

    Em março, uma resolução foi publicada pela secretaria determinando a preservação do local do crime de homicídio envolvendo um agente do estado até a chegada do delegado e da perícia.

    ‘Há mais confronto’

    O coronel Álvaro Camilo, ex-comandante da PM, afirma que “a criminalidade está mais agressiva e mais armada”, atirando contra os policiais e que, por isso, há mais situações de confronto. Desde 2008, foram apreendidos 89 fuzis, 86 metralhadoras e 160 carabinas envolvidos em ações contra os PMs. Há mais confronto”, diz.

    “A polícia não quer de maneira nenhuma a morte. E, graças a Deus, é o marginal que se dá mal. Enterrei 47 PMs em serviço, e não é fácil entregar a bandeira nacional para uma mãe que perdeu o filho para o caixão”, defende o oficial.

    Letalidade x criminalidade

    “Não existe relação entre a letalidade e a redução dos índices criminais, tanto que os números mostram o contrário”, aponta o diretor da ONG Sou da Paz Ivan Marques.

    No consolidado de 2014, os casos de roubo subiram 26,5% na capital paulista e 20,5% no estado. O número de homicídios dolosos caiu 4,6% na cidade de São Paulo e 4,5% no estado.

    Já no 1º trimestre de 2015, os índices de violência no estado vêm registrando uma tendência de queda depois de uma onda de violência no ano de 2012 que levou à troca no comando da Secretaria de Segurança Pública.

    G1 ouviu especialistas em segurança pública, entidades de defesa de direitos humanos, estudiosos e policiais para entender as causas do aumento da letalidade policial e quais seriam medidas para reduzir isso. Veja abaixo:

    CAUSAS

    A baixa resolução de homicídios no Brasil e a falta de punição para ações letais policiais geram uma sensação de impunidade, apontam especialistas. Segundo o ouvidor das polícias, Julio Cesar Neves, o Ministério Público muitas vezes pede o arquivamento de um caso ou a absolvição do réu por falta de provas.

    “Raramente você tem um caso de que o PM que é denunciado e chega ao Tribunal do Júri. E, quando chega, é inocentado. Ou por falta de provas ou porque os jurados acreditam que a ação faz parte da rotina policial”, afirma o ouvidor das polícias.

    “O ouvidor fala de forma equivocada e demonstra que ele desconhece a polícia”, diz o  ex-comandante da PM Álvaro Camilo. Segundo ele, quem comete erros é punido.

    Dados oficiais da Corregedoria mostram que, até o início de março de 2015, 55 PMs foram expulsos, demitidos ou reformados administrativamente. Em 2014, foram 326 e em 2013, 360.

    Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a partir de 510 casos de autos de resistência com 707 mortos constatou que, dos 355 que viraram inquéritos, apenas 19 se transformaram em processos efetivos e três chegaram à fase de julgamento. O índice de arquivamento é de 99,2%.

    “É contraditório com o Estado democrático de direito. Isso é um crime. É uma sobrevivência do país oligárquico, tradicional, hierárquico”, diz o sociólogo Michel Misse, da UFRJ.

    Para o ouvidor das polícias, há o fortalecimento, nas tropas, de uma espécie de “cultura de guerra”.

    “Desde que o cadete ou soldado entram nas escolas, eles acreditam na cultura de guerra, que estão em uma guerra e que devem ver o jovem negro e pobre como inimigo e um possível criminoso. Isso acontece do outro lado também. O combate ao crime não é uma guerra”, afirma o ouvidor Julio Cesar Neves.

    O ex-comandante da PM do Rio de Janeiro, coronel Ubiratan Ângelo, entende que o ideário de um jovem que faz concurso para polícia “é ser o Rambo”. “Ele percebe que só aparece na mídia quando prende ou mata, não quando auxilia um idoso. A sociedade e a mídia empurram ele para isso. E não há instrução que mude isso na cabeça do jovem policial”, diz.

    Grupos de policiais em redes sociais publicam fotos de criminosos mortos em confronto, e isto incentiva a letalidade, dizem especialistas.

    “Estas publicações querem mostrar que letalidade da Rota não só é legítima, mas compreensível e decente”, afirma o ouvidor das polícias.

    Para o coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, a PM não incentiva a divulgação.

    De acordo com José Vicente da Silva Filho, a melhoria da inteligência, com informações precisas dos locais onde criminosos armados estão, deixam cada vez mais os policiais em situações de confronto. “Sistemas de mapeamento colocam os policiais mais próximos dos bandidos mais armados”.

    O ex-comandante da PM Alvaro Camilo concorda. Segundo ele, a tecnologia tem permitido que a informação sobre roubos em andamento seja repassada com mais velocidade para os PMs, permitindo que eles cheguem ainda com o roubo em andamento e provoquem o confronto.

    SOLUÇÕES

    Para especialistas, o governo deve priorizar a política de redução da letalidade.

    Em 2011, a Secretaria de Segurança Pública passou ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, o poder de investigar casos em que PMs matavam.

    Em 2013, passou a ser proibido que policiais socorressem as vítimas em viaturas e a denominação do caso em boletins de ocorrência também mudou: deixou de ser resistência seguida de morte para morte em decorrência de intervenção policial.

    Em março, passou a ser cobrado o imediato alerta aos órgãos de segurança após as ocorrências, além da preservação do local do crime.

    “A prestação de socorro por profissional qualificado do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] fez efeito logo em seguida. Estas medidas são indicações políticas de que o governo diz à tropa que o número é inaceitável”, defende o diretor da ONG Sou da Paz Ivan Marques.

    Ele também aponta a importância da sociedade poder acompanhar os casos e uma divulgação ampla dos casos de resistências, com o nome dos policiais envolvidos, para que os processos possam ser fiscalizados.

    Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), entende que uma polícia de ciclo completo, com poder ostensivo e também capaz de realizar a investigação, como ocorre nos EUA, seria uma alternativa para conter a letalidade.

    “Já ouvi de PMs que eles arriscam a vida para prender e depois a Polícia Civil pede propina e coloca na rua. É consenso entre quem discute segurança pública que uma reforma na polícia é uma necessidade”, diz o pesquisador.

    O ouvidor das polícias concorda. “Esta é uma solução que tem que ser discutida com a sociedade civil”, diz Julio Cesar Neves.

    Já o coronel José Vicente diz que a medida é válida, mas requer uma grande reforma na legislação, além de novas escolas de treinamento e preparação dos policiais que atuem tanto na prevenção quanto na apuração dos crimes.

    Desta forma, acreditam os especialistas, a polícia teria mais aproximação com a comunidade e também entenderia melhor as necessidades de cada região.

    Fundadora da organização Mães de Maio, que reúne familiares de vítimas de ações durante os ataques de 2006, Débora Maria da Silva defende que o Instituto de Criminalística de SP deixe de seguir orientações da Secretaria de Segurança e passe para a pasta da Saúde.

    Débora, que ainda hoje orienta parentes de mortos em decorrência de intervenções policiais, diz que muitas vítimas são enterradas sem que o projétil e o local do crime sejam corretamente periciados.

    Débora Maria da Silva afirma ainda que muitas das mortes são arquivadas devido a falhas na apuração inicial. “É inaceitável o pedido de arquivamento por falta de provas. Uma vez perguntei a um promotor por que ele pediu o arquivamento. Ele disse que o erro estava na base da Polícia Judiciária. Fica uma dança de carimbos e ninguém consegue provar”, conta.

    O coronel José Vicente, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, defende que a PM afaste das ruas policiais envolvidos em tiroteios com mortes.

    “Todo policial precisa ficar afastado pelo menos um mês para avaliação e treinamento, se possui algum distúrbio de comportamento. Depois de três mortes, alguma medida precisa ser adotada. Não é natural e normal que um PM tenha 12, 15 mortes em confronto. Há PMs que passam a vida inteira sem apertar o gatilho”, afirma.

    Questionada sobre qual o procedimento adotado após casos de resistências seguidas de morte, a PM não respondeu. Segundo o coronel Álvaro Camilo, ex-comandante, a PM possui programas de acompanhamento psicológico para todos policiais que se envolvem em tiroteios.

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