Matéria veiculada no Todos Pela Educação em 29 de junho de 2016.
Mariana Mandelli, do Todos Pela Educação
Desconstruir estereótipos por meio de ouvidos bem abertos e olho no olho. Quem disse que o jovem não quer nada com nada e que não tem interesse em conversar, debater e pronunciar vontades, medos e desejo? Onde está provado que adolescentes indisciplinados são assim mesmo e não há nada a ser feito? Foi com essa ideia – a de que o jovem tem voz e quer, sim, representatividade – que o Instituto Sou da Paz criou o projeto Construindo Pontes, baseado na mediação para garantir a participação dos alunos na gestão da escola e a comunicação entre estudantes e professores.
A iniciativa está em prática em quatro escolas da Brasilândia, bairro da zona norte de São Paulo, por adesão voluntária, já que a entidade atua na região com outros projetos há anos e conhece a comunidade escolar do território (leia mais abaixo). “Os jovens têm muito a ensinar para a gente. Existe um senso comum de que o conflito deve ser evitado, mas não vemos dessa forma. É urgente que se encontre outras formas de resolver essas situações”, explica Beatriz Saks, coordenadora de projetos do instituto.
As “pontes” do projeto são construídas com base em três eixos metodológicos simultâneos: supervisão com professores mediadores escolares e comunitários; grupo de escuta e discussão com alunos; e formação dos professores. “A nossa metodologia é aberta. A proposta é que a escola coloque as questões que lhe são mais urgentes e fundamentais”, pontua Beatriz. O processo todo dura cerca de cinco meses até que seja decidido que tipo de “solução” funcionará naquela unidade de ensino – pode ser um grêmio estudantil ou outra forma de participação dos alunos, desde que venha deles. A adesão é voluntária e pode contar com professores – no caso dos docentes, as escolas normalmente indicam os de perfil conciliatório. Todos os encontros ocorrem nos horários mais adequados, definidos pelas escolas.
Etapas
O objetivo da supervisão é debater com os professores mediadores as situações da rotina escolar que se apresentam como obstáculos par a convivência pacífica da comunidade. Isso ocorre por meio de encontros na escola e os temas discutidos são sugeridos pelos próprios docentes, baseados no que enxergam na realidade da unidade de ensino. Assim, as pautas giram em torno de drogas, família e temas referentes a metodologias de ensino e relação entre professor e aluno. Naturalmente, vêm à tona dúvidas sobre como lidar com indisciplina e com alunos que cumprem medidas socioeducativas.
Já o segundo eixo realiza grupos de escuta e debates com os jovens para fazer com que eles se expressem e discutam sobre perspectivas de vida com um representante do instituto. Nesse papo, semanal ou quinzenal, eles se sentem à vontade para falar dos conflitos vividos dentro e fora da escola, como brigas com professores e dúvidas sobre questões de gênero, violência policial, racismo e outros tipos de preconceito, entre outros assuntos.
“Não impomos nada, tudo surge deles. Mesmo porque cada escola é uma escola, com sua turma e identidade, e o que funciona em uma pode não funcionar bem em outra. Não se pode partir de modelos prontos”, explica Beatriz. “O engajamento e o despertar político de alguns ocorre quando eles percebem que podem questionar e ser ouvidos e respeitados, porque se sentem à vontade. Criamos espaços de igual para igual onde existe a liberdade para discutir machismo e temas que eles propõem, que fazem parte da vida deles. No fim, tudo se trata da alteridade, de se relacionar e respeitar o outro, promovendo relações generosas e o autocuidado.”
Beatriz conta que, além da criação do grêmio estudantil, surgiram propostas como a ocupação da biblioteca da escola. “Parece algo pequeno, mas isso transforma o ambiente. Hoje, nessa escola, alguns alunos chegam mais cedo, inclusive os que nem iam para a aula, para fazerem grupo de estudo e leituras coletivas nesse espaço que é deles”, relata. “Também tivemos caso de aluno que já saiu da escola, mas que pediu para continuar participando das discussões. Criar a experiência de ser gente é fundamental.”
Mas tudo isso não ocorre sem que a equipe pedagógica da escola tenha autonomia para realizar os debates, ouvir e aceitar críticas e, principalmente, tomar medidas de forma democrática para solucionar as situações conflituosas. Assim, o Sou da Paz oferece às equipes das escolas cursos de formação que promovem discussão coletiva e estudo de casos considerados desafiadores e problemáticos para os grupos de professores. Novamente, temas como medidas socioeducativas, violência e indisciplina são muito relatados pelos docentes. “Quando os gestores trocam, só surgem ganhos, porque eles enxergam entre eles os mesmos medos e conflitos”, lembra Beatriz.
Efeitos
Para o instituto, os resultados até agora são positivos, já que alunos e equipes escolares mostram que os jovens se sentem legitimados, promovendo, assim, um ambiente mais justo e mais respeitoso, em que a conivência flui melhor em sala de aula. “Por meio de uma concepção de aprendizagem mais participativa, surge o acolhimento e o afeto. Temos muito a aprender com os jovens, mas se eles nunca forem olhados, não saberão como olhar para os outros e não haverá troca.”
Saiba mais
Reconhecido por seu trabalho na área de segurança pública e combate à violência, o Sou da Paz também promoveu, há alguns anos, um trabalho intenso pela instalação de grêmios nas unidades escolares (leia mais aqui) na mesma região paulistana onde hoje desenvolve o Construindo Pontes.
Para ler mais sobre os grêmios escolares, clique aqui.
Para visitar o site da entidade, clique aqui.