Matéria publicada no site da Vice, no dia 10 de setembro de 2014
Fábricas brasileiras de armas e munições injetaram R$ 495 mil em dez candidatos de cinco partidos: DEM, PMDB, PDT, PSD e PTB, metade deles do Rio Grande do Sul. As doações são legais, informadas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e disponíveis para consulta pública. Apesar disso, poucos falam abertamente sobre o lobby das empresas de armas e munições no Brasil.
Paulo Skaf, candidato a governador de São Paulo pelo PMDB, encabeça a lista, com uma doação de R$ 100 mil feita pela CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) no dia 25 de julho deste ano.
Apenas dois dias depois, Alceu Moreira recebeu R$ 20 mil da mesma empresa. Ele concorre à reeleição como deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul, e em 2010 já havia ganhado quantia semelhante.
“Não é a primeira vez que recebo, não. Na campanha anterior, o pessoal já me ajudou”, confirma Moreira, garantindo que trabalhará com afinco no Congresso para que mais brasileiros possam se armar. “Se nós não temos condição de ter um sistema de segurança capaz de dar ao cidadão o direito à segurança pública, não se pode proibir (esse cidadão) de comprar, portar e transportar arma de fogo”, raciocina.
Skaf ignorou todos os pedidos de informação sobre o assunto durante 24 horas, tanto por sua conta no Twitter quanto por email.
Já o segundo colocado na lista, Flávio Zacher, candidato a deputado federal pelo PDT do Rio Grande do Sul, disse que houve um engano. Receptor de R$ 100 mil da Amadeo Rossi (CNPJ 96.735.105/0001-68, produtora de munições que teria sido incorporada pela Taurus em 1997), ele afirmou que o dinheiro teria vindo, na verdade, da Rossi Residencial (CNPJ 61.065.751/0001-80), que, por sua vez, não confirmou nem negou a informação.
Doar milhares de reais para candidatos em campanha é uma prática comum no Brasil. Frequentemente, empresas doam valores similares para candidatos concorrentes, na esperança de garantir livre acesso aos governos, seja lá quem vença a eleição.
Apesar de alto, o valor doado pelas empresas de armas e munições este ano é 85% menor em comparação com a última eleição, quando R$ 3,2 milhões foram doados a 95 candidatos. O número final pode mudar, entretanto – o TSE informou que as doações feitas na reta final da campanha só parecem na lista depois do dia da eleição, 5 de outubro. Por causa disso, muito eleitor pode acabar votando em candidato que esconde – deliberadamente ou não – sua fonte de recursos.
A crítica é feita pelo cientista político Marcello Baird, que há um ano e meio trabalha na ONG Sou da Paz. Ele fez seu mestrado e atualmente faz um doutorado especificamente sobre lobby – a ação de grupos de interesse sobre os políticos. Marcelo explica que, com as doações, a indústria de armas e munições “compra acesso aos (futuros) congressistas, que farão projetos de lei que beneficiem o setor, seja ampliando o direito de portar armas, seja reduzindo os impostos que incidem sobre esse tipo de negócio.”
O pesquisador cita como exemplo a relação entre a indústria de armas e o deputado federal Guilherme Campos, do PSD de São Paulo. De acordo com Baird, o político teria atuado como relator em matéria que daria benefícios fiscais a indústrias de armas e munições envolvidas em financiamento de sua própria campanha, em 2010. Campos deu parecer contrário ao Projeto de Lei 1450/2011, que aumentava em 5% a alíquota de imposto para empresas do setor.
Baird diz que “quanto mais armas disponíveis, mais homicídios. No Brasil, 70% dos 56 mil homicídios ocorridos todo ano são cometidos com o uso de armas de fogo”.
Além de Skaf e Moreira, o candidato a deputado federal pelo DEM da Paraíba, Efraim de Araújo Morais Filho, também recebeu R$ 50 mil das Forjas Taurus S. A. A empresa disse por escrito que “não se pronunciaria sobre o assunto”.
Além deles, Aldo Schneider, candidato a deputado estadual em Santa Catarina pelo PMDB também recebeu R$ 40 mil da CBC, assim como outros dois candidatos a deputado federal pelo Rio Grande do Sul: Darci Pompeu de Mattos (R$ 50 mil) e Onyx Lorenzoni (R$ 50 mil), além de José Wilson Santiago Filho, do PTB da Paraíba (R$ 30 mil) e Fábio de Almeida Reis, do PMDB de Sergipe (R$ 30 mil).
Destes, Lorenzony aparece como o colaborador mais assíduo das empresas do ramo. Só em 2014, ele apresentou três Projetos de Lei no Congresso que flexibilizam as normas para porte de armas. Além dele, Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP) apresentaram respectivamente um e dois PLs semelhantes, de acordo com Sou da Paz, que, em 2013 publicou uma extensa análise da ação do Legislativo em temas de segurança pública.
De acordo com a Aniam (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições), o Brasil é hoje o quarto maior exportador de armamentos do mundo, com US$ 736 milhões em exportações ao ano. O país perde apenas para EUA, Alemanha e Itália.
Por e-mail, a Aniam disse que “os repasses seguem as normas e exigências estabelecidas pelo TSE e os princípios preconizados pela Constituição Federal. As doações são realizadas para integrantes da Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa e de acordo com critérios estabelecidos pela Associação”.
Apesar do esforço, o negócio de armas teve recuo recente, o que pode ter refletido na queda de 85% no valor das doações de campanha provenientes do setor. A Taurus reconheceu que a receita líquida consolidada da empresa no primeiro semestre de 2014 (R$ 301,1 milhões) foi 30,4% menor se comparada ao mesmo período de 2013 (R$ 432,6 milhões), recuo sentido no caixa de campanha dos candidatos, que viram minguar o fluxo de doações sobre o qual alguns preferem manter silêncio.