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    MATÉRIAS

    Depósitos de armas do Judiciário demoram até 24 anos para ser esvaziados

    Matéria veiculada no Portal IG em 02 de março de 2015.

    Pesquisadores acompanharam caminho de armas apreendidas em três cidades do País; Campo Grande (MS) é a pior delas

    Quando uma arma é apreendida pelas polícias, ela percorre um longo caminho entre elaboração de inquérito, perícias e processo até ser destruída pelo Exército e sair definitivamente das ruas. O problema é que esse caminho pode levar anos – resultado da burocracia e até mesmo “esquecimento”, principalmente do Poder Judiciário, o maior gargalo para a eliminação dos artefatos. Foi o que mostrou a pesquisa “Fluxo das armas sob custódia do Estado”, realizada nas cidades de Campinas (SP), Recife (PE) e Campo Grande (MS) pelo Instituto Sou da Paz em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e com o Programa das Nação Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

    Após serem apreendidas e periciadas, as armas vão para custódia do Judiciário e ficam estocadas em fóruns ou tribunais até que o juiz responsável pelo caso dê uma destinação a elas, que pode ser a destruição ou restitução, se ficar provada que era um artefato legalizado. E isso pode demorar anos. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, em 2011(último dado disponível) havia 755 mil armas estocadas em fóruns por todo o País.

    Os pesquisadores do instituto Sou da Paz analisaram o estoque do judiciário nas três cidades e, entre elas, a situação mais preocupante é Campo Grande. Em 2013, o depósito tinha 3,5 mil unidades estocadas e recebia cerca de 500 outras por ano. O judiciário, no entanto, só autoriza a destruição de 650 por ano, em média. Ou seja, o tempo necessário para zerar o estoque é de 24 anos.

    De lá para cá, segundo Aluízio Pereira dos Santos, diretor do Foro de Campo Grande, em vez de diminuirem, os estoques do judiciário Campo Grande ganharam mais 1,5 mil unidades, sem contar as munições. Santos não esconde o problema e afirma que as armas já deveriam ter sido mandadas “há vários anos para o Exército [responsável pela destruição]”

     

    Santos também diz concordar que o ideal é que os juízes consigam dar destinação para elas em até 180 dias, prazo aconselhado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para solucionar o problema, o diretor diz que vai baixar uma portaria com essas condições.

    Além de determinar o prazo para destinação das armas, a resolução do CNJ diz que o juiz deve fundamentar a decisão ao determinar a guarda da arma de fogo apreendida ou da munição, “caso a medida seja imprescindível para o esclarecimento dos fatos apurados no processo judicial”.

    Santos lamenta, no entanto, a dificuldade de “convencer as autoridades desse pensamento”, justamente, diz ele, porque “reconhece a preocupação dos juízes em não se desfazer de prova de um crime”, que poderá ser requisitada pela defesa ou promotoria durante o andamento do processo.

    Outras cidades

    Em Recife, o maior estoque entre os três analisados, a situação não é diferente. Segundo levantamento, seriam necessários 18 anos para que todas as armas apreendidas fossem destruídas. Em 2013, eram 8.200 armas no estoque e uma apreensão anual de 760 em média.

    O estoque do Judiciário de Campinas tem uma situação melhor em relação às outras duas cidades analisadas.  Ao todo, são 1.484 armas estocadas e 600 apreendidas por ano. Por outro lado, são autorizadas 1.700 destruições por ano. Nessas condições, o tempo para zerar o depósito é um ano e quatro meses.

    Apesar da baixa quantidade de artefatos arquivados em Campinas, Marcelo Baird, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, diz que esse resultado só foi possível graças a um mutirão de destruição de 60 mil armas que estavam em fóruns de todo o Estado de São Paulo em abril de 2012. “Se não fosse essa destruição, o número seria maior”.

    Baird chama a atenção para a normativa do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ordena o comparecimento da promotoria e defesa envolvidas no crime relacionado a arma em um prazo de cinco dias. A reunião tem por objetivo questionar os interessados sobre a manutenção do armamento até o final do processo.  Após esse prazo, o juiz tem até 48 horas para dar a destinação do artefato, que pode ser destruição, restituição ou conservação.

    “Mas os juízes não cumprem essa determinação e as armas ficam vinculadas até o fim do processo. Muitas ficam até esquecidas nos depósitos”, diz Baird e referindo ao Judiciário de todo Brasil.

    Além de abarrotar os depósitos, esses “esquecimentos” propiciam o roubo de armas sob custódia do Judiciário, afirmam os especialistas. Em janeiro de 2013, por exemplo, foram roubados 41 revolveres, 498 munições e 41 coletes de dentro do Fórum da João Mendes, no centro de São Paulo. O Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, também registrou o furto de 215 pistolas e revólveres ao longo de 2012.

    Caminho das armas até a destruição

    As polícias caracterizam a situação como trabalho dobrado, já que as armas acabam voltando para as ruas.

    Por conta do trabalho de segurança ostensiva, a Polícia Militar acaba sendo responsável pela maior parte das apreensões das armas, que são entregues diretamente para a Polícia Civil. As armas então são encaminhadas para o Instituto de Criminalística, que tem até 10 dias, caso o acusado esteja preso, e 30 dias, caso o acusado esteja em liberdade, para periciá-las e devolvê-las para a Polícia Civil. O delegado tem 60 dias para finalizar o inquérito e encaminhar a arma para o Judiciário.

    Segundo Guaracy Minguard, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e analista criminal, é importante que todo o processo seja catalogado, o que nem sempre acontece.

    Leia também: De onde vêm as armas do crime em São Paulo?

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    “A prova material [o que inclui a arma] coletada pela perícia, tem de ser atestada do começo ao fim. Esse é o fluxo da prova material. Mas isso ainda está começando a ser feito. É uma segurança de que a prova não vai ser perder ao longo do processo”.

    O Estado de Pernambuco se destacou nesse ponto, segundo o Sou da Paz, ao implantar um lacre de numeração única que acompanha cada arma desde a apreensão até sua destinação final.

    Delegacias

    Apesar de o Judiciário ser o maior gargalo, delegacias de polícias e Institutos de Criminalísticas também têm sua parcela de culpa. “Foram identificados muitos casos em que há acúmulo de armas em delegacias por causa de inquéritos que não andam, bem como confusões no registro dessas armas, que recebem diversos lacres e são referenciadas de diversas formas, o que pode gerar descontrole na cadeia de custódia”, afirma Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz

     

    Os pesquisadores acompanharam ainda o caminho de 67 armas em Campinas durante dois anos – entre agosto de 2011 e outubro de 2013. Deste total, apenas 22 (33%) armas tinham sido destruídas ao final dos 26 meses. Outras 37 permaneciam em poder do Judiciário, cinco (7%) permaneciam em delegacias, duas haviam sido devolvidas aos respectivos donos e uma tinha desaparecido.

    Soluções

    Para Baird, do Sou da Paz, a solução para diminuir o estoque de armas em todo país passa principalmente pelo cumprimento da resolução do CNJ, que determina prazo de 180 dias para determinação das armas. Baird sugere ainda “censo das armas acauteladas”.

    “A primeira coisa a fazer é diagnosticar precisamente o tamanho do problema. O CNJ teria de priorizar esse tema. Outra solução é cumprir a determinação do CNJ e conscientizar os juízes de que o problema extrapola o judiciário e vira um problema de segurança pública.”

    Outro lado

    A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) do Mato Grosso do Sul informou que todas as armas apreendidas “são guardadas em armários fechados em prédios com segurança policial”. A pasta também informou que na última década não foi registrado tentativa, roubo ou furto de armas em delegacias ou sedes do IC.

    O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que em 2013 adotou novo “regramento sobre a guarda e depósito de armas e objetos em poder do Judiciário paulista, o que permitiu a otimização do trabalho e agilizou a destinação”. Reiterou também que as regras preveem, por exemplo, que o o magistrado decida sobre a destinação da arma logo após realização de laudo pericial. Não é preciso aguardar a conclusão do processo.

    A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) diz desenvolver “esforços para aprimorar os procedimentos que levam à destruição de armas apreendidas”. “Uma delas foi o pedido à Corregedoria Geral da Justiça, em dezembro do ano passado, para que seja autorizada a destruição de todas as armas de fogo e todas as munições apreendidas pelas polícias. Atualmente, há apenas uma parcela das apreensões com autorização de destruição”. Além disso, a SSP garante que “A SSP esclarece que as armas apreendidas em locais de crime pelas polícias Civil e Militar são lacradas e apresentadas nas delegacias de polícia e de lá são encaminhadas ao Instituto de Criminalística para realização de perícia”.

    Procurado, o Exercito não informou quantas armas são destruídas por ano em todo território nacional. Questionado sobre fiscalizações em depósitos de fóruns, o Conselho Nacional de Justiça informou que “não trata do assunto”.

    A reportagem também entrou em contato com o Ministério da Justiça, o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, que não responderam até o fechamento desta reportagem.

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