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    MATÉRIAS

    A nossa guerra civil

    Matéria publicada no site da Exame em 30 de outubro de 2014.

    São Paulo – São números que caberiam mais entre as estatísticas de uma guerra. O ano de 2012, o último com informações nacionais disponíveis, foi marcado pelo maior índice de homicídios já registrado na história do Brasil.

    O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, que compila dados das secretarias estaduais da área, aponta que houve um total de 50 000 assassinatos, gerando uma taxa de quase 26 mortos por grupo de 100 000 habitantes, a 16ª mais alta do mundo.

    O Mapa da Violência, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais com dados do Sistema Único de Saúde, traça um cenário ainda mais aterrador: 56 000 mortes em 2012,  uma incidência de 29 para cada 100 000 brasileiros. No início dos anos 90, a taxa beirava 20, e no começo da década de 80 era inferior a 12.

    Trata-se de um aumento de 150% em 30 anos. Os homicídios até chegaram a cair no início da década passada, mas voltaram a crescer após 2007. A escalada acontece justamente quando indicadores sociais e econômicos sugerem que deveria ter ocorrido o contrário. As desigualdades de renda foram reduzidas nos anos 2000, e 40 milhões de pessoas foram incorporadas à classe média.

    A população de 15 a 19 anos, faixa em que ocorre a maioria das mortes violentas, caiu nos anos 2000 pela primeira vez na história. O desemprego nas maiores metrópoles diminuiu de 12,4%, em 2003, para 5,4%, em 2013. Os estudiosos do tema estão coçando a cabeça e se perguntando: que diabo está causando a explosão da violência no Brasil?

    Para começar a entender o problema, é preciso olhar onde ele assume contornos mais dramáticos. Os estados do Norte e do Nordeste do Brasil são os que estão puxando a média nacional para cima. No Rio Grande do Norte, na Bahia e no Maranhão, a taxa de assassinatos cresceu acima de 200% de 2002 a 2012. Pará, Ceará e Amazonas tiveram altas de mais de 150%.

    Enquanto isso, a criminalidade em estados populosos como São Paulo e Rio de Janeiro caiu graças a políticas de segurança pública mais estruturadas. Nos últimos cinco anos, Pernambuco também entrou para esse time, se tornando o único estado nordestino em que a violência caiu.

    Uma hipótese para explicar a diferença na evolução da violência diz respeito à gestão. Essa teoria encontra guarida num relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de abril deste ano. O TCU enviou às secretarias de Segurança Pública de todos os estados perguntas sobre padrões de qualidade na gestão.

    Resposta: na média, as secretarias estão em estágio inicial na avaliação de resultados de suas políticas e desenvolvimento do capital humano. O TCU considera insuficiente a adoção de planos para guiar as ações desses órgãos.

    Metade dos estados afirma não fazer levantamento sobre a necessidade de capacitação dos quadros, quando é fundamental que funcionários se atualizem para manipular dados estatísticos e usar corretamente as tecnologias disponíveis. Agora, um novo relatório está sendo elaborado, em parceria com os Tribunais de Contas estaduais.

    Ele envolverá visitas in loco para avaliar se as respostas correspondem à realidade. A expectativa é que a conclusão seja ainda mais frustrante, visto que o TCU já identificou a tendência de os gestores exagerarem a seu favor ao responder aos questionários.

    Quem é responsável?

    Outra conclusão do estudo do TCU é que falta uma política nacional de segurança pública, embora essa seja uma das principais atribuições do Ministério da Justiça. “Esse documento deveria traçar metas de médio e longo prazo e promover incentivos para que os estados adotassem boas práticas”, diz Márcio Albuquerque, secretário-geral da área de defesa e segurança do TCU.

    A presidente Dilma Rousseff tem dito que não é responsabilidade da União executar a política de segurança pública e promete propor uma mudança na Constituição para isso caso seja reeleita. É uma leitura míope do papel do poder federal, que deveria ajudar os estados a fazer investimentos e a treinar o pessoal, além de incentivá-los a adotar medidas eficientes no combate ao crime.

    Albuquerque conta que em suas conversas com secretários estaduais ouviu diversos casos de como Brasília oferece equipamentos que os estados não precisam por absoluta falta de planejamento. Um secretário teria dito: “Se o governo federal perguntar se eu quero pedra, eu digo que aceito”. Há casos de estados da Região Norte que precisam de lanchas, mas o governo federal insiste em lhes oferecer helicópteros.

    O Brasil tem exemplos bons de redução do crime para replicar — e com soluções relativamente simples. Em São Paulo, a taxa de homicídios caiu 60% de 2002 a 2012. Em 1999, o estado mais populoso e que mais matava em números absolutos desenvolveu um sistema para mapear os locais onde os crimes mais aconteciam — o Infocrim.

    A ideia foi inspirada na experiência de Nova York, que foi pioneira em análise criminal com georreferenciamento. “Eu cobrava publicamente do capitão da Polícia Militar e do delegado da Polícia Civil, responsáveis por uma área onde as metas não eram cumpridas”, diz o procurador Marco Petrelluzzi, da Justiça paulista, que foi secretário estadual de Segurança de 1999 a 2002. “Não tinha jeito. As duas polícias precisavam trabalhar juntas.”

    Em muitos estados, as áreas de cobertura de delegacias da Polícia Civil e dos batalhões da Polícia Militar nem sequer coincidem, dificultando ainda mais a integração. Esse desafio também está sendo enfrentado por Pernambuco, que criou em 2007 o programa Pacto pela Vida e reduziu 40% as mortes em seis anos.

    O então governador Eduardo Campos promovia reuniões semanais com as polícias e o Ministério Público para cobrar o cumprimento de metas de redução de crime em cada subdivisão de Pernambuco. Outros estados nordestinos ignoram as lições.

    “Fizemos um centro de estatísticas e análise criminal no Ceará, na própria secretaria, mas a polícia não é enviada aos locais em que os dados mostram onde estão os crimes”, diz o economista José Raimundo Carvalho, professor na Universidade Federal do Ceará e especialista em criminalidade, que dava consultoria ao governo estadual. “A profissionalização dos gestores da área é uma medida urgente para resolver o caos que se instalou no Nordeste.”

    Os casos de sucesso de estados como São Paulo e Pernambuco e de cidades como Nova York, nos Estados Unidos, e Bogotá, na Colômbia, mostram como a discussão sobre a segurança precisa ser deslocada da punição para a prevenção. Uma das primeiras medidas de Petrelluzzi foi mandar parte de seu efetivo revistar pessoas aparentemente alteradas em bares da periferia.

    Muitos crimes violentos resultavam de brigas de bar. Bogotá criou, em 2006, uma polícia comunitária, treinada para conviver com os moradores de cada um dos mais de 100 “quadrantes” em que a cidade está dividida. São sempre os mesmos oficiais que policiam a área, e eles passam informações para a polícia investigativa.

    A taxa de homicídios da capital colombiana diminuiu de 22 para 17 por 100 000 habitantes de 2011 a 2013. “O projeto rompe com o equívoco comum de colocar policiais para patrulhar regiões aleatoriamente”, diz Hugo Fruhling, diretor do Centro de Políticas Públicas da Universidade do Chile.

    Aqui no Brasil, o grande público e os políticos têm uma obsessão por punições mais duras. O deputado gaúcho Sérgio Terra é autor de um projeto de lei que propõe aumentar a pena para pequenos traficantes de drogas, quando praticamente todos os estudiosos mostram que mudanças de lei como essa não resolvem.

    Em 2006, a pena mínima para pequenos traficantes aumentou de três para cinco anos. De lá para cá, a parcela de presos pegos por tráfico sem violência cresceu de 14% para 25% do total encarcerado — enquanto os homicidas são 15%. A população carcerária como um todo mais do que dobrou de 2002 a 2012.

    O problema é que, quando vão para as cadeias, dominadas for facções criminosas, os pequenos vendedores de droga saem prontos para cometer crimes mais graves. A reincidência é de mais de 70%.

    Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e estudioso do tema, afirma que o efeito “escola do crime” da prisão é, junto com a difusão de armas de fogo e de drogas ilícitas, um dos principais fatores do aumento da violência.

    “Em quase 70% dos casos, não há separação de presos por periculosidade”, diz Cerqueira. “Encarceramos em massa, e juntamos indivíduos perigosos para a sociedade e outros que não são.” Uma saída para o problema seria adotar para os crimes leves punições alternativas, como o trabalho obrigatório em órgãos públicos.

    “A taxa de reincidência quando aplicadas penas alternativas é só de 7%. Mas ela precisa ser difundida”, diz Carolina Ricardo, analista da ONG Instituto Sou da Paz.

    Infelizmente, o Brasil tem somente 20 varas especializadas nessas penas. Para prender quem realmente precisa ir para trás das grades, as polícias têm de aumentar a eficiência na resolução de crimes, principalmente assassinatos. O Brasil soluciona menos de 10% dos homicídios.

    A polícia de investigação britânica, a lendária Scotland Yard, ultrapassa os 90%. São duas realidades pouco comparáveis, é verdade, mas o caso britânico mostra como é salutar que a polícia tenha uma elite capacitada para investigar e solucionar crimes.

    Estamos muitos passos atrás, com Polícia Civil e Militar que não trocam informações, quando a primeira é que investiga e a segunda é que prende e faz policiamento ostensivo — duas funções complementares.

    O trabalho conjunto também deveria mirar a apreensão de armas de fogo, cuja disseminação indiscriminada é uma das causas da epidemia de violência. Durante a campanha do desarmamento, que antecedeu o plebiscito de 2005, as taxas de homicídio caíram.

    Esses pontos foram abordados nos debates eleitorais? Quase nada. A violência é um problema dramático no Brasil, mas os esforços para combatê-la são escassos ou equivocados. Espera-se que os governantes eleitos finalmente se empenhem para tirar o país da vergonhosa situação em que chegamos. Não dá para esperar mais.

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