Reportagem publicada pela Conectas Direitos Humanos em 1º de novembro de 2013:
Repetindo o encontro ocorrido setembrono vão livre do Masp, Conectas, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e Instituto Sou da Paz se reuniram ontem na sala dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco para discutir a necessária reforma nas polícias brasileiras.
A exposição dos problemas e possíveis soluções ficou à cargo de Eduardo Pannunzio, da FGV, Carolina Ricardo, do Sou da Paz, e Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Cerca de 35 pessoas acompanharam o evento.
Descontentamento
Para Pannunzio, o despreparo da polícia para lidar com as manifestações populares, evidenciado no confronto do dia 13 de junho em São Paulo, ajudou a adensar os protestos, mas não fez com que a reforma policial entrasse para a lista de providências anunciada pela presidente Dilma Rousseff à época. “Talvez não haja nenhuma agenda tão imune a alterações quanto a de segurança pública”, disse. “Esse é o campo onde as instituições estão mais parecidas com aquelas do período de exceção, de ditadura.”
Segundo Renato Sérgio de Lima, isso deriva de uma dificuldade histórica que o País tem para lidar com suas forças de segurança. “Desde os tempos de colônia as polícias brasileiras existem para garantir os interesses do Estado e isso não mudou nem com a Constituição de 1988. Elas seguem atuando com a lógica de segurança interna, e não com o conceito de segurança pública”, afirmou.
Para ele, esse desvio foi aprofundado com a divisão do policiamento ostensivo e do trabalho investigativo entre as polícias civil e militar. “Sempre tivemos polícias com mandatos pela metade.” As soluções, afirmou, partem da regulação de mandatos e da resolução de um importante dilema: que papel as forças de segurança devem ter em um contexto de democracia e que nível de autonomia desejamos que elas tenham?
“Não temos articulação em nível federativo. Precisamos de boas práticas e micro-reformas da gestão e dos procedimentos, mas também de mudanças legislativas, de novas normas e códigos de conduta. Não é uma decisão técnica usar ou não bala de borracha. É uma decisão política”, concluiu.
Ciclo completo
Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz, enfatizou a necessidade de ampliar a discussão sobre militarização, já que só a extinção da PM, segundo ela, não resolveria o problema das polícias. “Refundar a polícia é mais do que desmilitarizar. O modelo de polícia civil já se mostrou igualmente ineficiente, mesmo sendo civil”, afirmou antes de lembrar que apenas 8% dos casos de homicídios são esclarecidos.
Para ela, a chave para a reforma está na construção de uma polícia de ciclo completo, descentralizada, profissionalizada, com procedimentos transparentes de atuação e controle externo.
Já existe uma Proposta de Emenda à Constituição abrindo espaço para as reformas mencionadas por Carolina. A PEC 51, de autoria do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), estabelece polícias de ciclo completo e carreira única para os profissionais (hoje, só na polícia civil existem 14 carreiras, o que limita as possibilidades de ascensão). “É difícil que a proposta seja aprovada, mas pode ajudar a enriquecer o debate”, disse.