Artigo publicado na Folha.com em 4 de julho de 2015:
Financiamento empresarial e conflito de interesse
“Não existe doação de empresas que não queiram recuperar. Quem me disse isso foram empresários. Se ele doa R$ 5 milhões, ele vai querer recuperar R$ 20 milhões”. Bastaria este trecho de uma fala do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, durante a CPI, para justificar a importância do debate sobre financiamento em campanhas eleitorais.
As doações de empresas para campanhas de políticos, presentes de forma unânime nos últimos grandes escândalos de corrupção estão em debate na mais alta corte do país e no Congresso Nacional.
Seis, dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, já se manifestaram pela proibição em ação proposta pela OAB em 2011 contra as doações de empresas. O julgamento, ainda que interrompido por pedido de vistas que já dura 14 meses do Ministro Gilmar Mendes, inclina-se para a proibição.
As contribuições de empresas trazem pelo menos três problemas. Ao aportarem milhões à campanha de candidatos, essas organizações causam interferência direta e desigual na disputa eleitoral. Inflam os custos e consequentemente afastam candidatos que não dispõem de tantos recursos. Levantamento da Folha mostra que os custos da última eleição foram de 4,9 bilhões de reais.
A terceira razão é que ao aportarem vultuosos recursos, muitas esperam um retorno após a eleição. Como se pode ver nos últimos escândalos de corrupção, no Executivo, muitas vezes estes ‘retornos’ se concretizam na facilitação ou superfaturamento de contratos. No Legislativo se dá a partir de apadrinhamentos de causas por parte de parlamentares financiados por um setor.
Três de cada quatro reais usados nas campanhas eleitorais nas últimas eleições vieram de empresas privadas que, como se viu, podem cobrar a conta, e caro.
Não é de todo surpreendente que o projeto de reforma política aprovado em primeira votação na Câmara e que deve ser submetido à uma nova rodada, queira constitucionalizar este tipo de doação.
Em 2013, o deputado Guilherme Campos (PSD-SP) assumiu a relatoria de um projeto de lei que aumentava impostos para a indústria de armas e munições (que havia financiado sua campanha), como era de se esperar, seu parecer foi pela rejeição do projeto com acolhimento dos seus pares.
O Código de Ética da casa veda essa prática, mas os parlamentares não parecem muito incomodados.
O caso de conflito não é isolado. Em 2010, o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), apresentou um Projeto para sustar uma consulta pública da Anvisa, visando a proibição de aditivos nos cigarros. O deputado é financiado pela indústria do tabaco.
Nas últimas eleições a indústria vem aumentando a doação para partidos e diminuindo para candidatos individuais, o que torna mais difícil rastrear conflitos de interesse. Nas duas situações e nos casos trazidos como exemplo o interesse público fica em segundo plano para beneficiar o interesse privado.
A mesma indignação que os brasileiros têm com relação à indicação de parentes por políticos ou juízes se dá neste tema. Isto porque nos dois casos há violação direta a princípios republicanos como os da moralidade e impessoalidade.
Em uma pesquisa recente realizada pelo Datafolha, 92% e 87% dos eleitores afirmaram que não votariam em um candidato se soubessem que ele recebeu respectivamente da indústria de armas e tabaco. No entanto, na mesma pesquisa, 70% dos eleitores se declararam nada informados sobre financiamento de campanhas eleitorais. Dado agravado pelo fato de que a maior parte das prestações de conta só são entregues ao TSE depois das eleições.
Espera-se que em 2016 estas distorções sejam corrigidas devolvendo as cartas do jogo para quem é de direito, os cidadãos brasileiros.
IVAN MARQUES, 34 advogado, é diretor executivo do Instituto Sou da Paz
PAULA JOHNS, 48, socióloga, é diretora executiva da Aliança de Controle ao Tabagismo