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    MATÉRIAS

    2 mil armas de colecionadores foram parar nas mãos de bandidos nos últimos 12 anos

    Matéria veiculada no R7 em 27 de julho de 2015.


    (Legenda foto: Armas entregues durante campanha do desarmamento)

    Um tiro na nuca matou Hércules Spigariol, de 39 anos. Seu corpo foi encontrado em 16 de fevereiro de 2012, à beira da estrada Benedito Pereira Rodrigues, em Itapecerica da Serra, Grande São Paulo. Três meses depois, a Polícia Civil identificou a arma do crime: trata-se de um revólver calibre 38, da marca Taurus furtado quase um ano antes, em 26 de março de 2011, da casa de colecionador de armamentos de Santo André, também na Grande São Paulo.

    Essa e outras 1.669 armas legalmente cadastradas em nome de colecionadores foram parar nas mãos de bandidos por meio de furtos e roubos desde 2003, quando entrou em funcionamento o sistema Sigma, banco de dados ao qual apenas as Forças Armadas têm acesso. No mesmo período, outras 291 armas passaram para o mercado ilegal após serem perdidas (veja os dados completos no gráfico abaixo).

    O Sigma, de onde foram extraídos os dados, concentra informações sobre armamentos de uso restrito dos integrantes das Forças Armadas, das polícias militares, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, além de armas em posse de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores de subsistência.

    Os números foram obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação. Negado em primeira instância, o levantamento foi fornecido após recurso. Não foi possível extrair os dados ano a ano.

    Questionado posteriormente, o Exército informou que há registro de 293 armas recuperadas desde o início da operação do Sigma. A quantidade refere-se não apenas ao armamento de colecionadores, mas também a armas dos outros grupos cadastrados no sistema das Forças Armadas.

    Nos últimos dois anos, o R7 vem tentando quantificar o total de armas registradas legalmente no Brasil que passam para o mercado paralelo. A reportagem já constatou que 3.700 armas de empresas de segurança do País e 250 armas da Polícia Militar de São Paulo passam anualmente para a ilegalidade devido a furtos, roubos ou extravios.

    O levantamento a respeito dos colecionadores aponta ainda que o total de coleções particulares triplicou nos últimos cinco anos. Para fiscalizar o arsenal, o Exército afirma ter uma equipe de 900 militares (leia mais sobre o aumento no número de colecionadores e a fiscalização do armamento).

    A arma usada no homicídio de Hércules, antes de ser furtada, costumava ser guardada pelo colecionador E.C., de 45 anos, em um armário embutido na parede de sua casa, escondido por um quadro. No dia em que os ladrões entraram na residência, o colecionador estava em viagem pelo Nordeste. Foi a mulher dele que percebeu a ação dos criminosos: o revólver e outras dez armas (mais cinco revólveres e cinco pistolas) foram levadas por pessoas que tinham informação privilegiada.

    Nem na casa, nem na rua havia câmeras de segurança.

    O levantamento de armas de colecionadores que passaram para o mercado ilegal obtido pelo R7 aponta que uso em ações criminosas, como o assassinato de Hércules, de armamento adquirido originalmente de forma legal no País deve superar a taxa de 38%.

    Em março, o Ministério Público de São Paulo e o Instituto Sou da Paz apresentaram pesquisa que apontou que 774 das 2.031 armas com numeração legível usadas em roubos e homicídios em São Paulo entre 2011 e 2012 tinham origem legal. Os pesquisadores, porém, não tiveram acesso ao sistema Sigma. A consulta foi feita apenas no sistema Sinarm, da Polícia Federal, que contém dados de armas de pessoas físicas, policiais civis e empresa de segurança, por exemplo, mas que não possui dados do armamento cadastrado pelas Forças Armadas.

    Ou seja: revólveres e pistolas furtados de colecionadores como E.C. fazem parte das 1.257 armas cuja origem não foi identificada pelos pesquisadores (nesse grupo pode haver também armas contrabandeadas).

    Coordenador da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Sou da Paz, Bruno Langeani participou da pesquisa em conjunto com o Ministério Público e destaca a necessidade da unificação dos sistemas.

    — É compreensível que as Forças Armadas mantenham em um cadastro exclusivo os dados sobre armas do Exército ou da Abin [Agência Brasileira de Inteligência], por exemplo. Mas o registro do arsenal em posse de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores deveria ser compartilhado com as polícias, para que o controle aumente.

    O Exército afirma que o processo de compartilhamento de informações está em andamento. Mas não há prazo para que seja concluído. A efetivação, segundo o órgão, depende de licitação para que, em parceria com a Polícia Federal, seja contratada empresa especializada.

    No caso da morte de Hércules, a Polícia Civil só descobriu a arma do crime após um amigo de infância de Thiago Severiano da Silva, principal suspeito de ter cometido o assassinato, comparecer ao 47º DP (Capão Redondo) e entregar o revólver. O rapaz, um técnico de 26 anos, afirmou que, após o crime, havia guardado a arma em seu guarda-roupa a pedido do amigo.

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