Como é possível assegurar que, com apenas dois meses de afastamento, a atividade profissional e a candidatura política não estarão sobrepostas?
Artigo escrito por Carolina Ricardo, diretora-executiva, do Sou da Paz, Juina Neiva, Diretora de fortalecimento do movimento de direitos humanos da Conectas, e Arthur Mello Coordenador de advocacy do Pacto pela Democracia (clique para acessar texto original)
Nas eleições de 2024, o Policial Machado, candidato a vereador em São Paulo, divulgou vídeo em que um tenente ligado ao 8º Batalhão de Polícia Militar apoiou explicitamente sua candidatura. Machado mencionava também o apoio do batalhão, que seria uma espécie de “QG da sua campanha”. Casos como esse representam um flagrante uso irregular das instituições policiais em favor de uma campanha política.
Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, Machado foi uma das 6.600 candidaturas no país oriundas de forças de segurança no ano passado —um percentual de 1,5%, que, embora pareça pequeno, aponta a consolidação da participação policial nos pleitos. Enquanto isso, a lei eleitoral atual permite que integrantes da Polícia Militar estejam em atividade funcional até dois meses antes da confirmação da candidatura. Como é possível assegurar que, em tão pouco tempo, a atividade policial e da candidatura não estarão sobrepostas?
Qualquer categoria profissional pode participar livremente da vida política e eleitoral do país. No entanto, em relação às polícias, por exercerem o monopólio da força, usando armas em nome da sociedade, é preciso aprofundar quais são os contornos ideais para essa participação.
Para mitigar o risco da politização indevida, o projeto de lei complementar 112/2021, em trâmite no Senado Federal, estabelece novas regras no Código Eleitoral, incluindo uma “quarentena” de quatro anos para membros do Judiciário, do Ministério Público e das forças de segurança, como polícias e Forças Armadas.
Hoje, para delegados, são exigidos de quatro a seis meses de afastamento e, para outros policiais civis, três meses. Já para policiais militares sem posição de comando, decisões do Tribunal Superior Eleitoral permitem a manutenção no cargo até iniciar o registro da candidatura na Justiça Eleitoral, o que, em 2024, ocorreu somente 62 dias antes do pleito. Além disso, é permitido que militares com mais de dez anos de serviço voltem às corporações em caso de derrota eleitoral, a chamada “porta giratória”.
Despolitizar e democratizar as forças de segurança é um desafio histórico para o Brasil. A influência político-partidária dentro das instituições militares e policiais é uma ameaça à estabilidade democrática do país: corrompe sua função constitucional e sua missão de proteger a sociedade e garantir a ordem pública. O que enfraquece a confiança da população em órgãos que deveriam ser pilares da legalidade.
Por isso, estabelecer quarentenas mais longas para policiais é uma medida preventiva para que tais profissionais, ao entrarem na vida política, estejam suficientemente afastados de suas funções anteriores.
Essa medida protege as tropas da politização excessiva e minimiza a possibilidade de que suas atividades sejam diretamente influenciadas por lealdades políticas.
Além de reforçar a solidez e a imparcialidade das instituições democráticas, a quarentena é vital para assegurar que as forças de segurança sejam guardiãs da ordem pública e da justiça e não ferramentas de interesses políticos individuais.