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    MATÉRIAS

    Seminário debate revista vexatória

    Matéria publicada no site da Conectas, no dia 31 de outubro de 2013.

    A filha de Luciana*, 53 anos, foi presa em dezembro de 2012. Os domingos de visita se repetem desde então numa rotina de fila e revista. “Ontem mesmo tive de passar por tudo depois de quatro horas de espera. Você é obrigada a ficar nua, agachar, mostrar a língua. Até abriram a barra da minha calça”, diz Luciana mostrando o estrago. “Esse procedimento é tão retrógrado quanto a forca ou a fogueira.”

    A revista vexatória pode acometer qualquer um que se proponha a visitar um parente na prisão: crianças, idosos, mulheres e homens são obrigados a tirar a roupa, a agachar seguidas vezes e frequentemente têm os órgão genitais analisados, sem qualquer cuidado sanitário ou amparo médico e legal. Dados da Pastoral Carcerária mostram que em 77% dos casos as vítimas são mulheres.

    Essa realidade, que se repete em outros países latino-americanos, foi tema de seminário internacional organizado pela Conectas e Rede de Justiça Criminal com o apoio da Associação de Advogados de São Paulo (AASP) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Mais de 100 pessoas acompanharam o evento.

    “Essa prática viola a integridade física, o direito à vida privada, a pessoalidade da pena e afasta o preso da família, reduzindo as possibilidades de reintegração”, afirmou Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas, na abertura do evento. “A revista vexatória cria dois mundos paralelos cada vez mais distantes.”

    Justificativas vazias

    Autoridades frequentemente amparam a revista vexatória com o argumento da segurança. Durante reunião da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Assembleia Legislativa de São Paulo em setembro, Lourival Gomes, secretário estadual de Administração Penitenciária, afirmou que não abandonará o procedimento, apesar das críticas. “Nosso inimigo é o celular. E olha que as revistas são rigorosas. Não podemos abrir mão da revista, e nem vamos. Senão, vamos ser cobrados.”

    Para Heidi Cerneka, da Pastoral Carcerária, essa afirmação é vazia. “Não faltam celulares nos presídios. Fica claro, portanto, que o procedimento não alcança o objetivo – se esse é de fato o objetivo.”

    Segundo Mayra Cardozo, do Comité de América Latina y el Caribe para la Defensa de los Derechos de la Mujer (CLADEM), a pena é instrumentalizada pelos governos para ir muito além da pessoa condenada – o que atinge, de maneira particularmente cruel, as mães e companheiras dos presos. “Esse processo é extremamente agressivo, mas é muitas vezes compreendido como parte natural do sistema. O encarceramento passa a ser uma experiência também para os familiares que visitam e têm de manter relações afetivas através das grades”, afirmou mencionando pesquisa da socióloga americana Megan Comfort.

    Sistema corrompido

    Para Jeniffer Wolf, solução para revista vexatória passa pelo reconhecimento da economia ilegal dos presídios
    O argentino Mariano Lanziano, do Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) agregou ao complexo panorama o papel dos agentes penitenciários. “Não podemos analisar essa violação de maneira isolada. Essa é uma forma perversa de governo e administração das prisões pelo serviço carcerário”, afirmou. Ele menciona, como exemplo, a utilização da revista vexatória como ferramenta de submissão disciplinar. “Os familiares de quem não se comporta bem são mais violados, inibindo o exercício do direito de visita, de convívio.”

    Para Jennifer Wolf, da Procuración Penitenciaria de la Nación Argentina, soluções para o problema passam pelo reconhecimento de toda a economia ilegal que gira ao redor dos presídios e é alimentada pelo fornecimento de celulares, drogas e armas pelos agentes. “Acabar com a revista vexatória é acabar com o negócio do serviço penitenciário. Essa é também uma questão econômica para as pessoas que estão em contato direto com os presos.” Para ela, essa é uma responsabilidade dos diretores de presídios e, em última instância, dos ministros da Justiça.

    O argumento foi reforçado pelo juiz de direito João Marcos Buch, da Vara de Execução Penal de Joinville (SC). “O agente penitenciário é treinado para o combate, e não para ser um administrador de relações”, afirmou. Para ele, a entrada de drogas, armas e celular se dá pela corrupção do sistema penitenciário, e não pelas famílias.

    Soluções possíveis

    O juiz Buch editou no início do ano uma portaria proibindo a revista vexatória na Comarca de Joinville. A medida foi derrubada cinco meses depois pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, atendendo a um recurso do Ministério Público local, mas ajudou a promover o debate na região sobre o que pode ser feito para mudar essa realidade. Hoje, Goiás e Espírito Santo proíbem esse tipo de revista.

    Além dessas três iniciativas locais, há duas propostas legislativas sobre o tema. A primeira é de autoria da deputada Iriny Lopes, do PT-ES (PL 3436/2008). O PL proíbe, “exceto em casos de fundada suspeita”, a revista manual. A segunda é um anteprojeto de lei de iniciativa popular que contou, em sua elaboração, com a participação de familiares de presos, organizações da sociedade civil e com representantes dos agentes penitenciários e da Secretaria de Direitos Humanos. O anteprojeto ainda não foi apresentado como Projeto de Lei.

    O que diz a lei?

    A Constituição Federal, em seus artigo 1O, fundamenta o princípio da dignidade da pessoa humana. Já o artigo 5O, que trata dos direitos e garantias fundamentais, prevê que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante.

    O Brasil também ratificou em 1989 a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e seu Protocolo Facultativo, que entrou em vigor em 2007.

    Segundo o juiz João Marcos Buchs, é preciso invocar, além desses instrumentos, os artigos 15, 16, 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral de crianças e adolescentes, e ainda o Estatuto do Idoso.

    Ainda em âmbito nacional, há uma resolução de 12 de julho de 2006 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que recomenda a utilização de equipamentos eletrônicos de revista em presídios e a preservação da honra e da dignidade da pessoa durante os processos manuais de revista.

    Na esfera da ONU, há diversas menções à revista vexatória nos documentos produzidos pelo relator especial contra a tortura. No relatório “Proteção de Mulheres Contra a Tortura”, de 2008, afirma-se que “nudez, revistas invasivas do corpo, insultos e humilhações de natureza sexual constituem violência contra as mulheres” e que “o exame vaginal com dedo constitui violação, e que, devido aos efeitos da prática, constitui tortura”.

    Em seu relatório de 2012 sobre o Brasil, o Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU recomenda que “o Estado assegure que as revistas íntimas cumpram com os critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Se fossem realizadas, as revistas do corpos devem ser realizadas sob condições sanitárias adequadas, por pessoal qualificado e do mesmo sexo, e duma maneira compatível com a dignidade humana e respeito pelos direitos fundamentais. Revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas pela lei”.

    Outro dispositivo internacional são as Regras de Bangkok, que estabelecem critérios para o tratamento de mulheres presas. A regra 20, por exemplo, afirma que devem ser desenvolvidos métodos de inspeção que substituam revistas invasivas. A regra 21, específica para crianças, afirma que os “funcionários da prisão deverão demonstrar competência, profissionalismo e sensibilidade e deverão preservar o respeito e a dignidade ao revistarem crianças na prisão com a mãe ou em visitação de presos”.

    A Convenção Americana de Direitos Humanos, por sua vez, garante o direito à integridade pessoal e o direito da proteção da honra e da dignidade. Com base nesses princípios, a Corte Interamericana condenou em 1996 a Argentina em caso de revista vexatória de uma mulher e sua filha, uma adolescente de 13 anos. Veja a decisão aqui.

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