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    MATÉRIAS

    Exército nas ruas do Rio é remédio paliativo com efeitos colaterais nocivos

    Artigo publicado pelo Brasil Post em 22 de abril de 2014:

    “O exército deve reforçar a segurança pública do Rio de Janeiro de hoje até depois da Copa?”

    NÃO.

    Responder a essa pergunta demanda retomar o significado de uma política de segurança pública eficiente, assim como entender o motivo da existência de Forças Armadas em um regime democrático.

    Uma política de segurança pública eficiente implica medidas que previnam a violência e a criminalidade, aliadas a ações de repressão por meio das polícias, Ministério Público, Poder Judiciário e sistema penitenciário.

    Reforçar a segurança pública no RJ passa, portanto, por ações de naturezas muito diferentes da presença provisória do Exército. Seja para receber a Copa do Mundo ou para que todos os cidadãos não tenham medo de morrer com uma bala perdida, é fundamental entender que a situação de violência e criminalidade é extremamente complexa e nenhuma medida individualmente dará conta de solucioná-la. Antes de recorrer às Forças Armadas, é preciso analisar se as medidas de segurança pública adotadas nos últimos anos têm sido suficientes e eficientes.

    Por exemplo, é preciso jogar luz no programa de metas de redução da criminalidade implementado pelo Governo do Estado desde 2007, – com resultados positivos de redução dos indicadores criminais – revê-lo e aprimorá-lo. Estará o modelo esgotado? Em que aspectos pode ser revisto para atingir melhores resultados? O estímulo dado aos policiais continua funcionando? Medidas para auditar os dados e informações produzidos estão sendo tomadas? Com uma avaliação franca e transparente do atual estágio do programa é possível dar-lhe novo fôlego e potencializar resultados positivos.

    A mesma avaliação precisa ser feita sobre as UPPs. Elas são sustentáveis? É possível seguir ampliando a quantidade de territórios pacificados nesse modelo? A necessidade por mais policiais é condizente com formação policial de qualidade? Será possível manter os territórios pacificados sem a essencial contrapartida de investimentos sociais para garantir direitos básicos nessas comunidades?

    Esses são dois exemplos dos desafios reais da política de segurança pública no Rio de Janeiro. Optar pela intervenção das Forças Armadas sem se debruçar seriamente sobre estes e outros desafios estruturais é tapar o sol com a peneira. Neste sentido, o uso das Forças Armadas é aquele remédio paliativo que tem efeitos colaterais bastante nocivos, talvez piores do que a ‘doença’ original.

    Para que servem, afinal, as Forças Armadas? Segundo a Constituição, em seu artigo 142, “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. No artigo 144, que dispõe sobre os responsáveis pela segurança pública no Brasil, as Forças Armadas não são mencionadas. Como em outras democracias, as Forças Armadas existem para defender a soberania e o território brasileiro contra eventuais ameaças externas, assim como participar de eventuais operações de paz internacionais.

    A passagem sobre garantia “da lei e da ordem” foi usada para a intervenção na Maré, mas trata-se de uma distorção para dar aparente legitimidade à decisão, já que a Lei Complementar 97/1999, que rege a matéria, diz claramente que os instrumentos de segurança pública devem estar “esgotados” e pressupõe o reconhecimento formal pelo governador de que as estruturas de segurança pública estão “indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional”. As polícias do RJ seriam insuficientes só na Maré, e só até o final da Copa do Mundo?

    Dar poder de polícia ao Exército é legalmente possível, mas é um recurso para casos absolutamente extremos, como o estado de sítio ou de defesa decretado pela Presidente. Localização perto do aeroporto e a iminência de um grande evento esportivo certamente não se elevam a esta categoria! Tal uso abre precedente para o recurso aos militares em praticamente qualquer situação nas áreas mais violentas das grandes urbes brasileiras.

    Não se deve usar instância alguma para intervenção fora da sua área de especialização. Não à toa, as Forças Armadas tem três especialidades profissionais, capacitadas e treinadas em áreas específicas – se usaria o Exército para operação estritamente naval, ou a Marinha para ataques aéreos?

    O mesmo se aplica à segurança urbana. Cada instância tem seu treinamento, sua experiência e capacidades. E vale perguntar: não era exatamente pra este tipo de situação que foi criada a Força Nacional de Segurança Pública? Onde ela está?

    O uso das Forças Armadas é negativo também nas mensagens que manda à sociedade e às próprias forças de segurança do RJ: os cerca de 40 mil PMs não dão conta de garantir a segurança da população; o governo do RJ simplesmente delega a responsabilidade de policiamento ostensivo para instância federal; o modelo da UPP é insuficiente para casos difíceis, etc. A linguagem bélica utilizada (“ocupação”) sugere forças ‘invadindo’ e dominando um território estrangeiro, com uma população ‘inimiga’… mas a Maré não é também Brasil?

    Na Maré, o Exército vai entrar, vai sair e os problemas permanecerão. Talvez haja uma aparente tranquilidade nesse período decorrente de uma falsa sensação de segurança, a um alto custo da presença constante nas ruas, com soldados que não têm a prática de trabalhar em áreas urbanas, além de estarem equipados para finalidades também distintas.

    Se já são comuns problemas em relação ao mau uso da força pelas polícias, responsáveis pela promoção da segurança em nossas cidades, tanto maior é o risco em relação ao Exército, cuja formação e mandato em relação ao uso da força são muito distintos das necessidades da segurança urbana.

    Alguns dirão que o Exército tem maior controle sobre a tropa, além de experiência em favelas no Haiti. Em experiências anteriores no RJ, já houve problemas em relação às abordagens feitas por militares nas comunidades – vide a morte de 19 civis na ocupação do Alemão, ou a ‘entrega’ de três jovens para o crime organizado, que os assassinou, no Morro da Providência – e o risco de que os problemas se repitam é alto. De fato, já começaram: durante o primeiro fim de semana da operação um jovem foi espancado, e a comunidade reclamou de omissão dos militares. No segundo final de semana, um rapaz foi morto pelo Exército, que alegou ‘troca de tiros’. A comunidade afirmou que o jovem chegava para trabalhar, e protestou contra a morte. A imprensa fala em clima de “desconfiança e medo” entre as partes.

    Pode-se argumentar que nossas forças armadas foram usadas na ‘pacificação’ do Haiti, inclusive com poder de polícia em grandes favelas urbanas. Mas o Haiti, definitivamente, não é aqui: aquele era justamente um caso extremo, de colapso político, econômico e institucional, sem uma polícia que se possa chamar como tal, depois exacerbado por uma catástrofe natural.

    No final das contas, em longo prazo, a segurança dos 130 mil moradores do complexo da Maré será beneficiada ou prejudicada pela presença de 2500 profissionais das Forças Armadas? Apostar no Exército para reforçar a segurança no Rio de Janeiro antes, durante e depois da Copa do Mundo é não investir no conjunto necessário de ações para uma política de segurança pública completa e eficiente. É, realmente, tapar o sol com a peneira. E o sol, no belíssimo Rio de Janeiro, é muito forte.

    Carolina Ricardo e Daniel Mack são analistas sênior do Instituto Sou da Paz.

     

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