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    MATÉRIAS

    Andando pra trás

    Coluna publicada no portal JOTA em 10 de novembro de 2015:

    Por Ivan Marques
    Diretor executivo do Instituto Sou da Paz

    Propostas do deputado Peninha Mendonça coloca em risco o Estatuto do Desarmamento (foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados)

    Os brasileiros poderão ganhar do Congresso um presente de ano novo bastante amargo. Imagine as seguintes cenas: você almoçando com sua família num restaurante e avaliando se o pacote colocado na mesa ao lado é ou não um coldre contendo um revólver carregado. Você tentando adivinhar enquanto aguarda na porta da escola do seu filho se o volume na cintura do pai ao lado é uma pistola pronta para o uso. Entrar num taxi será outra loteria, estará o motorista armado ou não?

    Foi aprovado no dia 27 de outubro, em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, um projeto que ameaça tragicamente o cenário da segurança pública no país, cenário este já bastante carente de notícias positivas.

    Trata-se do PL 3722/2012 de autoria do deputado Peninha Mendonça (PMDB/SC) e relatado pelo deputado Laudivio Carvalho (PMDB/MG). Importante notar que um em cada quatro votos favoráveis ao projeto na Comissão foram de deputados que tiveram suas campanhas financiadas pela indústria nacional de armas e munições (incluindo o presidente). Os termos do projeto dão pistas do potencial de retorno deste investimento da indústria.

    A idade mínima de compra de arma, hoje de 25 anos, é reduzida para 21 (justamente a faixa etária mais vitimada por armas de fogo). Pessoas investigadas ou processadas por qualquer tipo de crime (homicídio, estupro, roubo ou tráfico de drogas) poderão comprar arma legalmente sem nenhuma dificuldade. Quem tiver uma arma ilegal pode regularizá-la a qualquer momento ao assinar uma declaração de que a posse é legítima. O projeto concede direito de andar armado em locais públicos a várias categorias, sem nenhum critério, de deputados e senadores passando por oficiais de justiça, agentes socioeducativos e outras dez categorias. A competência para autorização de compra e porte, hoje centralizado na Polícia Federal, será delegada aos Estados.

    Além disso o limite de armas compradas por cada cidadão será de seis, sem nenhuma necessidade de justificativa. O número de munições que cada cidadão poderá comprar para sua defesa vai a 600 por ano. Caso sejam cartuchos de armas de caça ou calibre 22, a quantidade permitida chega a 21.600 cartuchos anuais.

    Deste debate resta a dúvida, que legítima defesa será feita por um cidadão com seis armas podendo gastar até 60 munições por dia? Não é preciso buscar muito para intuir quem irá lucrar com esta proposta.

    O desconhecimento sobre o que é o Estatuto do Desarmamento e seus efeitos, inclusive entre alguns deputados tem provocado debates mais baseados em frases de efeito do que em dados e evidências, que, se por um lado mostram que a violência letal no Brasil ainda é um problema gravíssimo, por outro também apontam para o impacto positivo da lei sobre esses.

    O relatório aprovado tem 109 páginas e um projeto de lei com 143 artigos, o descompromisso com uma atividade legislativa responsável é tamanho que não há nenhuma pesquisa mencionada para justificar a derrubada do Estatuto do Desarmamento, objeto de diversos estudos que atestam seus impactos positivos…

    Sendo assim, vale revisitar aqui alguns dos mitos que tem sido usados pela bancada da bala para tentar aprovar a revogação do Estatuto:

    “No Referendo de 2005 a população já disse não ao Estatuto do Desarmamento”.

    A pergunta feita a população se referia a apenas um item: se a venda de armas a civis deveria ser proibida. A decisão popular pela permanência da venda a civis é respeitada. Cidadãos podem comprar armas, desde que comprovada sua necessidade, aptidão (atestado técnico e psicológico) e vida pregressa (não ter antecedentes criminais ou estar sob investigação).

    Não há apoio popular ao descontrole na circulação de armas, pelo contrário, segundo pesquisa realizada em setembro de 2014 pelo Datafolha, o brasileiro é absolutamente contra até mesmo a posse de armas: 62% afirmam que a posse deveria ser proibida, pois ameaça a vida de outras pessoas.

    O Estatuto do Desarmamento fez aumentar os homicídios.

    Todos sabemos que a violência homicida é multicausal, a estratégia para seu enfrentamento não pode ser unidimensional. No entanto, controlar armas num país em que aproximadamente 70% dos homicídios[1] são cometidos com arma de fogo não é uma escolha.

    O Estatuto do Desarmamento foi um fator importante para reverter o crescimento acelerado das mortes por arma de fogo no Brasil. Entre 1993 e 2003, cerca de 292 mil pessoas foram mortas por disparos de armas de fogo, ao passo que a taxa por 100 mil habitantes crescia aproximadamente 7% ao ano. Houve uma clara reversão de tendência a partir de 2004, com o crescimento caindo para 0,3% ao ano.

    Segundo o sociólogo Julio Jacobo, especialista em segurança pública e autor da publicação Mapa da Violência, o Estatuto poupou aproximadamente 160 mil vidas, estimando o cenário provável se a tendência de crescimento das mortes por agressão por arma de fogo pré-2003 tivesse sido mantida.

    É impossível que o cidadão hoje compre uma arma para sua defesa.

    Desde 2004 mais de 120 mil pessoas tiveram a compra de arma autorizada pela Polícia Federal para defesa pessoal. O número tem crescido a cada ano, portanto, esta é mais uma mentira amplamente divulgada por deputados da bancada da bala que não encontra embasamento na realidade.

    Não é a arma que mata sozinha, as pessoas é que as utilizam e matariam de outra forma.

    No Brasil, 71% dos homicídios são cometidos por arma de fogo, enquanto 16% são causados por objetos cortantes ou penetrantes – categoria na qual se enquadram as facas[2]. Há 17 anos, o percentual de agressões cometidas com facas é estável, mesmo considerando que existe pelo menos uma faca em cada domicílio no país. Há mais facas do que armas nas casas dos brasileiros, mas há muito mais homicídios cometidos com armas de fogo porque elas foram feitas para matar. As armas de fogo são o principal instrumento pelos homicidas, pois favorecem a ação impulsiva, matam com eficácia e com menor risco para o agressor.

    Como sabem que o cidadão está desarmado, os bandidos fazem a festa.

    Embora possa trazer uma eventual sensação de segurança, é uma ilusão que o “cidadão de bem” armado possa evitar crimes e dissuadir criminosos. Evidências científicas no Brasil e no exterior deixam isso claro. Três teses de doutorado em economia da PUC-Rio, da FGV e da USP evidenciaram que a maior disponibilidade de armas de fogo nas cidades causa um aumento significativo na taxa de homicídio, mas não possui nenhum efeito para dissuadir o criminoso profissional, bem como os roubos e os furtos subjacentes.

    Estatísticas do FBI compiladas num estudo do Violence Policy Centermostram que para cada caso bem sucedido de uso de arma para defesa há 32 casos em que a arma é usada para matar alguém intencionalmente.

    Armado eu consigo defender a mim e a minha família.

    Há duas pesquisas feitas no Brasil sobre o uso da arma para defesa.Pesquisa do IBCCRIM realizada pelo prof. Renato Lima e Jacqueline Sinhoretto feita analisando casos de latrocínio (roubos seguidos de morte) em São Paulo em 1998 uma época em que ainda era possível que o cidadão andasse armado. Ela mostrou que a chance de alguém morrer num roubo aumenta em 56% se a vítima estiver portando arma.

    Pesquisa de vitimização realizada em 2001 pela SENASP e UFMG mostra que a chance de ser agredido em um assalto aumenta em 88% para quem está armado.

    O Estatuto desarmou apenas o “cidadão de bem”.

    Como vimos, a lei atual não impediu a compra de arma pelo cidadão e nem tampouco o obrigou a desfazer-se dela. Até 2009 houve várias anistias destinadas a aqueles que queriam regularizar suas armas. Após esta data, basta cumprir os requisitos junto à Polícia Federal para manter a arma regularizada em casa.

    O Estatuto do Desarmamento criou um canal para o cidadão que decide não querer mais ter uma arma em casa ao viabilizar a entrega de armamentos e munições nos postos da campanha. O processo pode ser feito de forma anônima e com a garantia de que as armas e munições serão destruídas pelo Exército.

    Contudo, é preciso lembrar que as armas entregues voluntariamente representam apenas uma pequena parcela das armas retiradas de circulação, sendo as armas ilegais apreendidas pelas polícias muito mais numerosas. Em São Paulo, por exemplo, para cada arma entregue pela população três armas são apreendidas pela polícia. No Rio de Janeiro a proporção é de um para cada quatro[3].

    Esses dados indicam que o controle da circulação de armas pelo território passa pela necessidade de realização de diversas ações e, entre elas, ainda é preciso investir no rastreamento dos armamentos e munições.

    Não desarmou o bandido que não compra arma em loja. A arma do cidadão de bem não comete crime.

    A arma do “cidadão de bem” comete crime sim! A ligação entre mercado legal e mercado ilegal é amplamente comprovada. A CPI do Tráfico de Armas da Câmara dos Deputados de 2006 analisou as armas apreendidas em ocorrências criminais, e documentou que 86% destas armas provinham do mercado nacional, ou seja, haviam sido fabricadas e vendidas no Brasil. 68% das armas relacionadas a crimes haviam sido vendidas por lojas autorizadas, sendo que 74% destas foram adquiridas por pessoas físicas e 25% por empresas de segurança privada.

    Pesquisa mais atual, realizada pelo Instituto Sou da Paz em 2011 e 2012, com mais de 14 mil armas apreendidas na cidade de São Paulo, identificou que 78% delas eram nacionais. As armas de roubo e homicídios analisadas nesta mesma pesquisa e rastreadas com apoio do Ministério Publicomostram que pelo menos 38% destas armas tinham registro legal.

    Ou seja, bandido não compra arma em loja, mas a arma do cidadão comprada legalmente em loja também abastece o crime e é por isso que um controle sério e eficiente do mercado legal importa tanto!

    Aqueles que dizem que o Estatuto do Desarmamento não impactou no acesso de bandidos a armas, deveriam dar uma olhadinha nos números de apreensões de armas pela polícia. São Paulo e Rio de Janeiro são bons exemplos, em 2003, último ano antes da aprovação do Estatuto a polícia de São Paulo e Rio de Janeiro apreenderam respectivamente 39 mil e 18 mil armas cada[4]. Em 2012 a redução no número de apreensão com os criminosos caiu para 18 mil, uma redução de 52%. A diminuição de armas no mercado ilegal é também mostrada em outro dado, o de que 25% das armas apreendidas em São Paulo são simulacros ou de brinquedo.

    Se ainda temos tantas armas em circulação com bandidos, de onde elas vêm? O Sou da Paz investigou a data de fabricação das armas da Taurus e comprovou que há uma parcela grande (62%) de armas usadas no crime hoje que entraram em circulação antes do Estatuto, justamente quando havia uma legislação mais frágil como a que agora os deputados da bancada da bala querem aprovar. Isto comprova que o controle mais rígido dificultou o acesso às armas também para a criminalidade e que sentimos até hoje os efeitos perversos da legislação permissiva que existia anteriormente.

    Impedir a revogação do Estatuto do Desarmamento significa aprender com os erros do passado e dar valor a evidências empíricas consolidadas. Significa não legislar com base em frases prontas egoístas e vingativas que usam o clamor por mais segurança para tentar nos colocar em um velho oeste em que cada um será responsável pela própria segurança na base da bala.

    Para mais informações sobre a mobilização contra o PL 3722/2012 acesse:http://menosarmasmaisvidas.org.br.

    __________________________________________________________

    [1] Dados sobre mortes por agressão disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), disponível em: http://migre.me/qRqqY.

    [2] Id.

    [3] Dados do Ministério da Justiça, Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

    [4] Dados da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

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